Você Conhece?: Consultório Na Rua
- Jornal A Sístole
- 7 de dez. de 2021
- 3 min de leitura

Por: Ramila C. L. Tostes
A ideia de cuidado aprendida na faculdade de medicina ainda não consegue abranger a potencialidade do “querer ser cuidado” que cada indivíduo possui. Em outras palavras, o problema de alguém pode se assemelhar ao de outros, mas nunca será o mesmo e sempre guardará consigo aquilo que o define como próprio de um ser humano único.
Pensar na diversidade daqueles que nos cercam ainda é muito pouco se levarmos essa ideia para o dimensionamento de um país como o Brasil, repleto de histórias provindas de uma sociedade desigual, que se inicia a partir da exploração estrangeira e se perpetua no conceito estigmatizante da hierarquia social. Sendo assim, as consequências dessa construção reverberam na área da saúde na medida em que nem mesmo o reconhecimento do acesso em saúde como direito é dado a grande parte da nossa população.
Portanto, torna-se importante explicitar que, antes de qualquer coisa, o estigma sobre pessoas em situação de rua parte dessa estrutura que insiste em catalogar seres humanos, supervalorizando uns em detrimento de outros, e fatalmente contribuindo com uma ideia fajuta de meritocracia. Dessa forma, várias pessoas são levadas a acreditar que não são dignas de um real atendimento em saúde, postergando a ida ao serviço, muitas vezes por medo de serem mal atendidas ou mesmo por um histórico de invisibilidade dentro desses locais.
Diante de tudo isso e numa tentativa de amenizar a dificuldade da oferta de saúde plena a todos os cidadãos brasileiros, foi criada, em 2011, a estratégia “Consultório na Rua”. O programa foi instituído pela Política Nacional de Atenção Básica e é direcionado a quem se encontra emsituação de vulnerabilidade social. São desenvolvidas, portanto, ações integrais de saúde frente às necessidades dessa população, por meio de equipes multiprofissionais que realizam suas atividades de forma itinerante e, além disso, atuam em parceria com as equipes das Unidades de Saúde do território.
As equipes devem englobar profissionais distintos, podendo incluir as áreas de medicina, enfermagem, psicologia, assistência social, terapia ocupacional, saúde bucal e educação física e artística. Constituindo, assim, um conjunto de indivíduos que se alinham em prol do cuidado de pessoas, algo intrínseco e natural às suas profissões,mas que a academia, em consonância com agentes externos, nem sempre consegue deixar claro no processo formativo.
Para exemplificar e trazer o conhecimento prático aos leitores sobre o referido programa, a equipe do Jornal “A Sístole” convidou o médico Quéfrem Vieira, egresso do curso de medicina da UFRJ-Macaé e responsável pelo atendimento do “Consultório na Rua” no município de Macaé-RJ.
Segundo Quéfrem, atualmente, o programa funciona narua Dr. Zamenhoff, número 150, na região de Imbetiba - próximo ao Pronto Socorro Municipal e à “praça do L”. A dinâmica da equipe está configurada, hoje, por um médico, um enfermeiro, uma assistente social, uma dentista, uma auxiliar de saúde bucal, uma técnica de enfermagem e uma agente comunitária de saúde. Para além dos esforços desses profissionais, são vivenciadas dificuldades como o fato da dentista não possuir a cadeiraprópria para a realização do seu trabalho, o que evidencia, por vezes, uma necessidade de otimização do serviço. Um outro obstáculo relatado é a falta de disponibilidade de um veículo, sendo esse de grande importância quando se tenta realizar a abordagem territorial, que seria um dos pilares do programa. Por conta disso, as abordagens, atualmente,têm sido mais pontuais e próximas à sede do programa; sendo que, quando há demandas mais específicas, a equipe necessita solicitar o carro de outras secretarias, não sendo garantida a assistência, justamente por dependerem de uma disposição alheia à dinâmica do serviço. Outras demandas que existem no programa do município de Macaé são a presença de psicólogo e de agente social, principalmente quando se pensa num mapeamento do território e na criação de vínculo dos usuários.
Por fim, Quéfrem reitera que a cidade de Macaé ganha muito com o programa, uma vez que o seu principal objetivo é tentar promover acesso a uma população negligenciada e afastada de seus direitos civis e, ainda, afirma que em nossa cidade poderiam ter até mesmo duas equipes, o que permitiria uma maior cobertura de atendimentos, mas que hoje só existe uma equipe credenciada, resistindo a inúmeras dificuldades.
“É impossível dar saúde a quem veste trapos e trabalha com salários que não permitem condições mínimas de subsistência. É impossível dar saúde a um povo se não o libertarmos de sua dependência econômica para que ele mesmo tome suas decisões.”
Salvador Allende, médico e ex-presidente do Chile.
Referências:
Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). Disponível em: https://aps.saude.gov.br/ape/consultoriorua/
Revista Radis, Edição nº 229, Outubro de 2021. “Pessoas em situação de rua”, Pg 10-21.
Comments