SÍNDROME DA RESIGNAÇÃO
- Jornal A Sístole
- 22 de dez. de 2022
- 3 min de leitura

Por Caio Vinicius e Carolina Daré
Imagine um cenário em que uma criança, filha de refugiados, vai, paulatinamente, perdendo a vontade de brincar, para de falar e de comer, até que entra em um estado inerte, semelhante a um coma, diante do risco de ser deportada ao seu país de origem. Isso é a Síndrome da Resignação, exposta no documentário da Netflix “A Vida em Mim”, que mostra a dura realidade de famílias refugiadas que precisam aprender a lidar com barbaridades relacionadas à fuga de seu país de origem, estabelecer-se em um novo país (que pode ou não aceitá-los definitivamente, já que muitas vezes o processo de mudança não fora finalizado), e cuidar em tempo integral de seus filhos.
A medicina não sabe muito bem explicar a origem dessa espécie de coma, mas o documentário traz alguns pontos em comum pelos acometidos dessa síndrome que faz as crianças simplesmente “desligarem”: todas passaram por processos traumáticos ao mudarem país e ao testemunharem familiares sofrerem algum tipo de violência física.
A Síndrome da Resignação, além de já ter sido diagnosticada na Suécia, também foi detectada em níveis significativos no país insular Nauru, na Oceania. No entanto, apesar de alguns casos terem sido relatados em países europeus, numa escala global, essa condição não foi identificada. Assim, não consta na última edição da Classificação Internacional de Doenças da OMS (CID-11) e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) organizado pela Associação Americana de Psiquiatria.
Quando comparamos os contextos em que se relata a incidência, é possível encontrar similaridades. A Austrália encaminhava imigrantes para Nauru com o intuito de concentrar, em centros de detenção, os refugiados que chegavam ao país em busca de asilo. Por ficarem privados de sua liberdade e sem previsão pelas autoridades locais de serem autorizados a poderem decidir para onde queriam ir, muitos desses imigrantes passaram a desenvolver transtornos psiquiátricos. Dentre esses, foram diagnosticados depressão, esquizofrenia, intenção suicidas e Síndrome de Resignação.
Estudos apontam que a Síndrome sempre é precedida por episódios traumáticos, como estar em uma zona de guerra, ter sofrido perseguição ou violência em sua terra natal. No entanto, o gatilho é atribuído às circunstâncias da migração. Assim, sua causa está associada à usurpação do direito à liberdade de escolha, o que levaria o imigrante a uma depressão, seguida de uma apatia completa e absoluta, chegando a um estado similar ao coma.
O tratamento farmacológico ainda é incerto, foram feitas tentativas de uso de antidepressivos e benzodiazepínicos para alívio dos sintomas. No entanto, a cura parece depender da possibilidade de restabelecer a liberdade de ir e vir e restaurar a esperança de autonomia. Enquanto isso, a família dos afetados resiste à perda de seus filhos, de sua autonomia e de sua liberdade. Em suma, enfrentam a resignação.
REFERÊNCIAS
A vida em mim. Documentário sueco (2019). Disponível na Netflix.
Schmid PC. Saúde mental e restrição de liberdade: relato de experiência como médica psiquiatra em centro de detenção de refugiados. Saúde em Debate [Internet]. 2019 Apr [citado 2022 Oct 31];43(121):626–35. Available from: https://scielosp.org/article/sdeb/2019.v43n121/626-635/
von Knorring A-L, Hultcrantz E. Asylum-seeking children with resignation syndrome: catatonia or traumatic withdrawal syndrome? European Child & Adolescent Psychiatry [Internet]. 2019 Nov 1 [citado 2022 Oct 31];29(8):1103–9. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31676913/
O que é a Síndrome da Resignação, a misteriosa doença que só ocorre na Suécia [Internet]. G1. 2017 [citado 2022 Nov 8]. Available from: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/o-que-e-a-sindrome-da-resignacao-a-misteriosa-doen ca-que-so-ocorre-na-suecia.ghtml
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