SOMOS HERANÇA DA MEMÓRIA: A RELAÇÃO ENTRE SAMBA E SAÚDE MENTAL
- Jornal A Sístole
- 2 de dez. de 2022
- 2 min de leitura

Por Stéfany Silva Rodrigues
Psicóloga clínica e Acompanhante Terapêutica formada pela Universidade Federal Fluminense - Polo Campos dos Goytacazes.
Ultimamente, estamos vendo discussões mais frequentes acerca da necessidade do cuidado com a saúde mental e, por vezes, restringimos muito esse cuidado limitado somente à psicoterapia. É notória e comprovada a importância desse espaço qualificado de escuta e cuidado, entretanto, podemos elencar outros dispositivos que se constituem como terapêuticos e que são de extremo valor para a manutenção do nosso bem-estar. Antes de prosseguirmos, é preciso evidenciar aqui que psicoterapia – produzida por psicólogos – e alguns recursos e dispositivos que podem ser considerados terapêuticos, como academia, atividades artísticas, espirituais ecorporais são objetos diferentes um do outro e que não necessariamente se excluem.
É preciso pensar em como a arte, a música e, mais especificamente, o samba servem como elementos de um resgate à história e, além disso, de resistência à uma sociedade colonial e racista, que insiste em apagar pessoas que eram e são consideradas à margem da sociedade. Em consequência disso, é possível pensar em como um movimento tão rico como o samba pode ser capaz de produzir saúde mental para aqueles que o ouvem.
A música, ao se constituir como expressão artística e cultural importante e universal, produz trilhas sonoras que embalam o cotidiano da vida social, afetiva e profissional das pessoas, além de favorecer a manutenção da saúde mental, a prevenção do estresse e o alívio do cansaço físico. A constatação, cada vez mais frequente, do poder de mobilização emocional da música nos leva a refletir sobre sua utilização para promover bem-estar e integração em diferentes âmbitos (BERGOLD; ALVIM; CABRAL, 2006, p. 263)
O samba, portanto, se constitui como um espaço de continuação e afirmação dos valores culturais negros (SODRÉ, 1998, p. 56), e esse é um dos pontos primordiais para que o tomemos como um movimento de resistência, de forma que no lugar de rejeição e desvalorização dessas práticas, são construídas importantes mobilizações que restituem valores ancestrais, e assim se é construído um lugar seguro para aqueles que compartilham desse movimento e,para além, um lugar de identificação.
Dessa forma, traçar outros modos inventivos de cultivo à cultura é uma forma de ir de encontro a essa estrutura que invalida todo e qualquer tipo de produção não hegemônica, e também dar voz e espaço aos muitos gritos que não puderam ser externados ao longo dos anos, fazendo com que se crie espaços de exaltação e conexão de um povo, tendo consequências diretas na saúde mental dessas pessoas.
Hoje, dia 2 de Dezembro, dia nacional do samba, é importante colocar em cena temas que podem parecer distintos como o samba e a saúde mental, mas que em um ponto acabam interligando-se. O samba é um instrumento de manutenção da mesma e que externaliza gritos que são silenciados no dia a dia, fazendo da arte uma forma de luta e ao mesmo tempo não perdendo a dimensão do afeto.
Referências:
BERGOLD, Leila Brito; ALVIM, Neide Aparecida Titonelli; CABRAL, Ivone Evangelista. O lugar da música no espaço do cuidado terapêutico: sensibilizando enfermeiros com a dinâmica musical. Texto & Contexto - Enfermagem [online]. . 15, n. 2, 2006. , pp. 262-269. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-07072006000200010>. Acesso em: 17 ago. 2021.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
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