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RELATOS PESSOAIS: VISIBILIDADE TRANS NA FACULDADE DE MEDICINA

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 5 de jul. de 2022
  • 3 min de leitura


Por Gabriella Berto


Segundo a Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estima-se que, no Brasil, 82% das pessoas trans e travestis tenham abandonado os estudos ainda na educação básica; quando se trata do ensino superior, no entanto, a ocupação por transsexuais é ainda menor. Com base nesses - e em outros - índices de evasão escolar involuntária (pois não se trata de um desejo do estudante, e sim uma imposição) da população trans, a pesquisadora Luma Nogueira de Andrade, primeira pessoa trans a concluir o doutorado em rede pública no Brasil, desenvolveu o conceito de “pedagogia da violência”. Esta trata-se de um tipo de pedagogia que tenta ensinar as pessoas a ter uma forma de comportamento de acordo com padrões conservadores, utilizando-se inclusive de violência física, psicológica, moral e todos os seus outros aspectos.


Reconhecendo a necessidade de um debate sobre a importância de uma educação menos excludente para indivíduos trans, o Jornal A Sístole convida Kaio de Lucca, médico formado em 2021 pela Escola de Medicina Souza Marques e atual R1 de Medicina da Família e Comunidade pela UFRJ, para compartilhar suas vivências como homem trans na faculdade de medicina.


“Em relação a transição, eu iniciei no meio da graduação, mas comecei a me questionar logo no início. Por ter estudado durante toda a vida no mesmo colégio, não havia visto muitas formas diferentes de se viver, então quando saí da escola fui pesquisando e descobrindo novas possibilidades, até que fui passando por experiências e me descobrindo, aos poucos, como um homem trans. Felizmente não tive problemas em relação ao pessoal da faculdade: meus amigos e colegas de turma nunca me destrataram e sempre foram respeitosos comigo, o que até me surpreendeu, pois acho que já esperava reações negativas. Quanto ao nome social, inicialmente não fui tão bem recebido pela coordenação da faculdade, que me informou que seria “muito complicado para os professores”. Entretanto, abri um protocolo no site da instituição solicitando a mudança de nome e anexei a Lei do Nome Social; no dia seguinte todas as minhas folhas de presença já haviam sido corrigidas e todos os professores sempre me respeitaram também.


No que diz respeito à abordagem das demandas e das singularidades da população trans nas aulas, nunca aprendemos nada sobre essa temática durante a graduação e infelizmente não vi mudança nenhuma no decorrer do curso. A única vez em que ouvimos falar de transexualidade foi em uma aula de Medicina Social I, durante o 1° ano; além disso, às vezes ocorriam rodas de conversa com pacientes trans em Saúde Mental, uma matéria do 6o ano, mas a minha turma não passou por essa experiência. Quando criamos o coletivo LGBTQIA+ da Souza, as professoras de Medicina Social I passaram a nos convidar todos os anos para falarmos com os calouros, o que era ótimo, mas isso se iniciou depois que eu já havia passado pela disciplina, então meu ano nunca chegou a ter essa conversa extremamente necessária. Diria ser no mínimo absurdo que, em 6 anos, tenhamos somente uma aula apenas citando a existência de pessoas trans. Não é à toa que essa população não consegue sequer acessar o sistema de saúde, né? A desinformação mata. Além disso, muitos dos pacientes que conseguem acesso são desrespeitados desde a entrada na unidade, quando alguns profissionais não utilizam o nome social, por exemplo, fazendo com que a pessoa não queira retornar a mais nenhum serviço de saúde.


Apesar de não ter atendido nenhuma pessoa trans durante a faculdade, atualmente tenho alguns pacientes trans, pois na Clínica da Família em que trabalho (CF Anthidio Dias da Silveira, no Jacarezinho) temos o Projeto Arco-íris, cuja ideia é justamente facilitar o acesso a qualquer pessoa que não se encaixe na norma de gênero ou sexualidade, acolhendo suas demandas já com a certeza de que estará em um lugar seguro e que os profissionais estão abertos e são capacitados a entender suas questões, independente de quais sejam. Realizamos hormonioterapia, sim, mas também tratamos qualquer outra questão médica que necessitem; a ideia é ter um local seguro de atendimento. O projeto foi instaurado por 2 preceptores incríveis meus e foi um grande motivador para que eu escolhesse essa clínica como ambiente de trabalho e de formação.


Durante meu processo de transição, minhas maiores dificuldades foram em relação a como os outros me veriam; foi difícil ter coragem de cortar o cabelo, de mudar as roupas e, principalmente, de me abrir e pedir para as pessoas me chamarem pelo meu nome. No entanto, hoje não me arrependo de nada e estou muito feliz com quem eu sou e mais feliz ainda em ter escolhido uma residência que me permite ser eu mesmo e ajudar pessoas que passam por questões semelhantes, dando oportunidade de terem seu direito à saúde garantido.”



O Jornal A Sístole gostaria de agradecê-lo por relatar sua experiência, Kaio. Esperamos que cada vez mais indivíduos trans ocupem as universidades.


Referências:

https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/conteudo-multimidia/det alhe/a-experiencia-das-pessoas-trans-e-travestis-na-educacao

 
 
 

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