RELATOS PESSOAIS: A EDUCAÇÃO TRANSCENDE(RÁ)
- Jornal A Sístole
- 13 de jul. de 2021
- 3 min de leitura

Nesta edição convidamos Ana Júlia Lopes, Mãe do Felipe e Educadora. Professora bilíngue e alfabetizadora com 10 anos de experiência em programas de imersão na Língua Inglesa para crianças. Formada em Letras e licencianda em Pedagogia.
Por Francília Garcia Paes Barreto
“A escola sempre foi o meu lugar no mundo. Tenho lembranças vívidas do pátio pulsante, do barulho do sino, das lancheiras com garrafas térmicas... daquelas que a gente virava o suco dentro da própria tampa, sabe? Era como se todos os dias fossem um evento. Os cabelos cuidadosamente penteados, uniformes limpos e passados, e o cuidado em chegar pontualmente. O “bom dia” a todos os rostos conhecidos, desde a portaria até a sala de aula, foi o ritual de uma vida toda.
No vai e vem de pessoas pelos corredores, nas bolas cruzadas pelas quadras, nos escorregas e balanços cheios de movimento, existe vida abundante. Vida essa que parou no tempo. O luto define bem o que eu sinto. É uma profunda tristeza e pesar, uma perda, um vazio irreparável. Nunca experimentei tamanha solidão no meu ensinar.
Do dia pra noite foi preciso cortar relações. A Educação precisou se desvincular dos muros da escola. Os primeiros meses foram os mais difíceis. Lembro de planejar as atividades e pensar “vou usar uma cartolina vermelha” e logo em seguida lembrar que não era possível. Afinal, como atravessar a cartolina vermelha pela tela do computador? Me sentia presa em 15 polegadas.
Lembro de cruzar com meu filho pela casa e ter a sensação de que não o via há dias. “Já acabou de trabalhar, mamãe?”. Suas atividades se acumulavam na agenda, tinha até medo de abrir e ver tudo que ele estava perdendo. Me sentia péssima, não dava conta. Que tipo de mãe/professora era eu afinal?
Eu passava o fim de semana montando um cenário para aparecer na câmera e tinha a sensação de que nada daquilo poderia melhorar a situação. “Já podemos brincar, mamãe?” repetia meu filho sem parar, enquanto ele via seus ursinhos e brinquedos servindo de plano de fundo, sem entender o que era aquele novo ambiente na sua casa. “Aqui agora é a escola da mamãe, filho”. Eu tentava explicar. “Não mamãe, aqui é a nossa casa” dizia ele, irritado e confuso. Irritada e confusa, eu seguia. Ah, mas quando a gente voltar pra escola... Já pensava eu e toda a comunidade escolar em tom de ameaça.
E aqui estamos nós, mais de um ano depois. O trabalho é insano, exaustivo. Os olhos queimam, as costas doem, a cabeça não desliga. São, resumidamente, três etapas. O antes: estudar um programa, adaptar atividades e objetivos para o modelo remoto, equilibrar a carga horária das disciplinas, elaborar um planejamento claro e objetivo, estudar modalidades avaliativas para cada atividade, e montar slides (infinitos). O durante: viabilizar uma aula 100% ao vivo, através de uma tela, aplicando estratégias envolventes de regência, ensinando conceitos fundamentais, avaliando o processo de aprendizagem individual e coletivo, e contornando as frustrações gerais de crianças cheias de energia e vazias de interação com os amigos. E de quebra, desligando 20 microfones ao mesmo tempo. O pós: dúvidas diversas, atendimento aos pais, organização da sala de aula virtual, postagem de atividades, e correção das devolutivas dos alunos.
O retorno escolar segue incerto, instável e dividindo opiniões. A falta de prioridade na vacinação dos professores é o reflexo da falta de prioridade para a Educação como um todo. Infelizmente a pandemia só fez agravar a disparidade no ensino entre a rede pública e privada. Seguimos carregando os mesmos problemas do passado, agravados por um contexto social desolador.
É impossível se acostumar, se conformar ou se acomodar a essa situação. A animosidade entre famílias e professores vem crescendo a cada dia. A falta de reconhecimento e empatia machuca. A sociedade insiste em se voltar contra nós. Somos pintados de preguiçosos e descompromissados. “Eles estão gostando de ficar em casa” - já cansei de ler e ouvir. A falta de respeito é constante, doí a alma e embola a garganta.
E mesmo engasgados, somos a voz do conhecimento que ecoa dentro das suas casas. Somos a linha de frente da Educação. Fomos despidos das paredes da sala de aula, mas seguimos construindo saberes. Estamos presentes, mesmo que distantes. E seguiremos no online, híbrido ou presencial. Somos uma força de trabalho que vai além - porque a pandemia um dia acaba, mas a Educação transcende(rá).”
Professora Ana Júlia, gostaríamos de parabenizá-la pela dedicação dispensada ao ato de ensinar. Muito obrigado por compartilhar sua experiência conosco!
“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
Paulo Freire.
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