“Quanto mais, melhor?”
- Jornal A Sístole
- 21 de out. de 2021
- 2 min de leitura

Por Carolina Daré
Tal senso comum é colocado em prova pela Campanha Internacional “Choosing Wisely” que aponta para a sobreutilização de exames e tratamentos. Em outros termos, o movimento, que em tradução literal significa “Escolhendo sabiamente”, consiste no incentivo de promoção ao diálogo entre médicos e pacientes sobre quais procedimentos e condutas terapêuticas são realmente necessárias a fim de promover melhorias no cuidado do paciente e, também, de administrar de forma mais racional os recursos destinados à Saúde Pública.
Os princípios que sustentam o movimento foram delineados, em 2012, nos Estados Unidos, pelo Conselho Americano de Medicina Interna (em inglês, American Board of Internal Medicine) e, atualmente, vem sendo divulgado em muitos países, como Canadá, Alemanha, Itália e Japão. A viabilização do projeto se dá pela associação às Sociedades de Especialidades Médicas e consiste na elaboração de orientações em forma de listas de testes e tratamentos a serem evitados. Por exemplo, uma recomendação que veio da adesão da Sociedade Brasileira de Cardiologia ao projeto é de que não seja realizada pesquisa não invasiva de doença coronariana obstrutiva (funcional ou angiotomografia) como exame pré-operatório de cirurgia não cardíaca em indivíduos assintomáticos e com capacidade funcional satisfatória.
O professor do curso “Saúde baseada em evidências” e sócio fundador da NefroClínicas, Dr. José Neto, explica em seu perfil pessoal no Instagram (@drjoseneto): “(...) condutas sem comprovação científica podem ser um caminho para a futilidade e resultados desastrosos sob a bandeira do fizemos todo o possível. Muitas vezes,menos é mais! O pensamento hipocrático do ‘primum non nocere’ (primeiro não lesar) não pode ser paralisante, mas um norteador na escolha do melhor caminho: o da escolha sábia”.
Para trazer o movimento à prática clínica brasileira, o Dr. Luis Correia, cujo extenso currículo inclui a livre-docência em cardiologia, o doutorado em medicina e saúde e o título de pesquisador do CNPq, utiliza seu blog(Medicina Baseada em Evidências) e seu canal no Youtubepara divulgar conteúdos que abordam os princípios da campanha. O cardiologista discorre em uma de suas postagens: “O Choosing Wisely recomenda o que não devemos fazer. Traz um paradigma interessante, pois normalmente somos treinados a discutir o que devemos fazer. Os guidelines falam muito mais no que devemos fazer, do que não devemos fazer”.
Percebe-se, portanto, que as mudanças propostas só ocorrerão mediante alterações na mentalidade da cultura médica. Além disso, trata-se de elucidar tais ideias ao paciente, desde situações mais complexas às mais cotidianas, por exemplo, desencorajando-o a tomar suplementos alimentares que não tenham comprovação científica de eficácia que, muitas vezes, além de desnecessários, são danosos à saúde. O diálogo com hospitais e clínicas inseridas na rede pública ou privada também beneficiam a viabilização da campanha para que conflitos de interesses políticos e financeiros não interfiram nessa forma mais racional de cuidado.
Outro canal de comunicação que o movimento almeja manter aberto é com as escolas de medicina, atingindo estudantes de graduação, programas de residência e cursos de atualização ou programas de educação continuada de forma a transformar positivamente o futuro do atendimento médico. Em suma, a mensagem que “Choosing Wisely” propaga é que mais nem sempre é melhor e inclusive pode lesar.
Referência
Levinson W, Kallewaard M, Bhatia RS, Wolfson D, ShorttS, Kerr EA. “Choosing Wisely”: a growing international campaign. BMJ Quality & Safety [Internet]. 2014 Dec 31 [cited 2021 Sep 18];24(2):167–74. Disponível em: https://qualitysafety.bmj.com/content/24/2/167
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