PRESS RELEASE: VIOLÊNCIA DE GÊNERO E COVID-19
- Jornal A Sístole
- 4 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
''VIOLÊNCIA DE GÊNERO E COVID-19: COMO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SE ASSOCIA AO ISOLAMENTO SOCIAL?''
Por Karine Corrêa e Arthur Bortone
A violência doméstica pode ser definida como “(…) qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”(1). Isso significa que a violência doméstica ocorre em razão do seu gênero, ou seja, é uma forma de violência recorrente contra mulheres, historicamente aceita, resultando em impunidade dos agressores. Exemplo disso foi a dupla tentativa de assassinato contra Maria da Penha pelo seu então marido: primeiro com um tiro nas costas enquanto ela dormia – deixando-a paraplégica – e quatro meses depois com uma tentativa de eletrocutá-la no banho. Um crime chocante que levou 19 anos e 6 meses para ser penalizado, ressaltando o descaso judiciário no combate à violência doméstica.
A Lei Maria da Penha (nº 11.340) foi sancionada há quase 14 anos, sendo um marco no combate à violência de gênero, no entanto, os casos de violência doméstica seguem aumentando. Em 2019, 1.314 mulheres foram vítimas de feminicídio, o que significa que a cada sete horas uma mulher morre apenas pelo fato de ser mulher.
Com a pandemia causada pela COVID-19 e a necessidade do isolamento social para conter a disseminação da doença, há um crescimento nos casos de violência doméstica. Ainda não existe muita evidência sobre a repercussão do isolamento social nas relações interpessoais, entretanto, estudos publicados no Caderno de Saúde Pública(2) e na Revista Brasileira de Epidemiologia(3) fazem uma reflexão sobre a violência contra mulheres e o isolamento social. De acordo com a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), no mês de março houve um crescimento de 18% no número de denúncias no Brasil.
No âmbito internacional, houve aumentos nos registros de denúncia significativos por todo o planeta, na medida em que as políticas de cerceamento contra o novo coronavírus foram aumentando por todo o mundo. Em fevereiro, os casos denunciados em apenas um departamento de polícia na China triplicaram, quando comparados ao mesmo período no ano de 2019. As linhas de ajuda aumentaram em 91% os números de registros na Colômbia, 60% no México, 40% na Austrália, 30% no Chipre e 20% nos Estados Unidos(4).
O isolamento alterou rotinas, reduzindo jornadas de trabalho e aumentando o tempo de permanência em casa, e, consequentemente, mais tempo com o agressor. Isso pode favorecer o abuso psicológico, a restrição de contato com outras pessoas, o controle financeiro e a ocultação da violência. Ademais, no que se refere ao agressor, o aumento no nível de estresse, limitação da renda, consumo de bebida alcoólica e substâncias psicoativas podem ser estopins para as agressões. Um estudo da Universidade Católica da Bolívia(5), analisou 653 pessoas de diferentes regiões do país, buscando correlacionar alterações nos ‘’índices de satisfação marital’’ ao risco de exposição à violência doméstica. A pesquisa apontou que o aumento do tempo de coexistência marital, somado à mudança da dinâmica de vida, demonstraram-se como fatores predisponentes de violência, essencialmente para mulheres e independente de renda ou condição social. Entretanto, o estudo não levanta aspectos sócio-culturais, como as relações de gênero nas populações estudadas, fator esse essencial na análise da dinâmica dos relacionamentos contemporâneos.
Outro ponto importante a ser considerado é a maior dificuldade de buscar ajuda: o contato com familiares e amigos é limitado, que são a principal rede de apoio para sair da situação de violência; os profissionais de saúde estão com atenção voltada para os pacientes com suspeita ou confirmação da COVID-19; igrejas, creches e escolas, que são ambientes onde a mulher pode encontrar apoio, estão com atividades limitadas.
Entendemos a gravidade da pandemia causada pela COVID-19 e a importância do isolamento social como medida de proteção, todavia é necessário pensar em medidas de combate à violência doméstica. As denúncias são essenciais, no entanto outras estratégias precisam ser implementadas: garantir a agilidade do julgamento de denúncias de violência contra mulher, assegurando medidas protetivas quando necessário; campanhas publicitárias que conscientizem a população sobre a necessidade de intervir em casos de violência doméstica, desmistificando a cultura de que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”; incentivo a iniciativas de apoio às mulheres que façam acolhimento e aconselhamento psicológico, jurídico e de saúde.
Para além da pandemia, é essencial que as questões de gêneros sejam abordadas nas escolas e que políticas públicas sejam feitas de modo a combater a violência contra mulher.
Como denunciar?
Telefones para denúncia: 180, 100, 190.
Sites para denúncia: disque100.mdh.gov.br e ligue180.mdh.gov.br
Aplicativo para denúncia: Direitos Humanos Brasil.
Referências:
1. Instituto Maria da Penha [site].
2. Marques, Emanuele Souza et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 4 [Acessado 1 Junho 2020] , e00074420.
3. Vieira, Pâmela Rocha, Garcia, Leila Posenato e Maciel, Ethel Leonor NoiaIsolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela?. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. v. 23 [Acessado 1 Junho 2020] , e200033.
4. RUIZ-PÉREZ, Isabel; PASTOR-MORENO, Guadalupe. Medidas de contención de la violencia de género durante la pandemia de COVID-19 Measures to contain gender-based violence during the COVID-19 pandemic. Gaceta Sanitaria, [s. l.], 24 abr. 2020.
5. APONTE, Cindy; ARAOZ, Raúl; MEDRANO, Percy; PONCE, Freddy; TABOADA, Rossana; PINTO, Bismarck. Satisfacción conyugal y riesgo de violencia en parejas durante la cuarentena por la pandemia del covid-19 en bolivia. Universidad Católica Boliviana “San Pablo”, [s. l.], 21 abr. 2020.
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