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PRESS RELEASE: Uma breve história da pílula anticoncepcional e seus impactos na humanidade

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 28 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

Por Marina Matos Souto


Na história da medicina, milhares de fármacos foram desenvolvidos, mas nenhum se tornou influente o suficiente para ser conhecido simplesmente como “a pílula”. Desde sua liberação como método contraceptivo oral pela FDA, em 23 de junho de 1960, esse fármaco vem sendo revolucionário ao oferecer um meio eficaz para mulheres separarem a prática sexual da reprodução e, acima de tudo, serem as protagonistas do planejamento reprodutivo. A demanda pelo contraceptivo foi imediata: 5 anos após a liberação com o nome Enovid, 6.5 milhões de mulheres estadunidenses o consumiam; 60 anos depois, ainda é o método contraceptivo mais utilizado por mulheres em idade reprodutiva, com mais de 100 milhões de usuárias no mundo.


No entanto, controvérsias marcam a trajetória do anticoncepcional. Seu surgimento se deu em um período em que cientistas não tinham qualquer obrigação formal de obter o consentimento esclarecido dos participantes de seus estudos. Nos dez anos que antecederam a liberação da pílula, Gregory G. Pincus e John C. Rock realizaram testes invasivos em muitas mulheres em posição de vulnerabilidade. Inicialmente mulheres pobres que buscavam atendimentos em clínicas filantrópicas; depois quase uma centena de mulheres internadas em um hospital psiquiátrico recebeu a pílula e tiveram seus úteros expostos cirurgicamente para análise da ovulação; por fim ocorreu o ensaio de larga escala em Porto Rico.


O território foi selecionado pela inexistência de leis contra a anticoncepção e grande população empobrecida – a mentalidade científica do período via pessoas pobres como recurso abundante e descartável para a ciência. Inicialmente foram selecionadas 256 mulheres moradoras de um conjunto residencial popular, as quais testaram a pílula com uma dose hormonal bastante alta e passaram por monitorizações extenuantes; a taxa de abandono foi de 22%. Vários dos efeitos adversos hoje amplamente conhecidos foram relatados – e parcialmente ignorados -, mas a eficácia foi comprovada e enfim o Enovid começou a ser comercializado; as mais de 1.500 mulheres porto-riquenhas não conseguiam pagar pelo fármaco que testaram. Nas décadas seguintes, o perfil de segurança dos anticoncepcionais aumentou consideravelmente, com significativa redução das concentrações de estrógenos e progestágenos, maiores investigações relativas aos efeitos adversos, hormônios sintéticos mais específicos, novas apresentações e, acima de tudo, guidelines consolidados sobre as indicações e riscos para diversos perfis de pacientes.


Laureada como meio revolucionário para a libertação feminina, a pílula surgiu, em partes, mais como resposta às aspirações eugenistas de alguns cientistas – mesmo sendo financiada por duas filantropas feministas. Inicialmente, a pílula foi propagandeada como reguladora de ciclo e vedada a mulheres solteiras abaixo dos 21 anos. A grande polêmica nos Estados Unidos e alguns países europeus era a possível libertação sexual feminina, com um retardo entre a chegada da pílula no mercado e a queda de leis conservadoras anti-contracepção. A chegada da pílula no Brasil e em outros países subdesenvolvidos se deu por outro ângulo, o da eugenia.


Em 1962, o Enovid chegou ao Brasil e era vendido livremente nas farmácias, custando quase 10% de um salário mínimo. O frenesi midiático atrelou argumentações explosivas sobre o risco de superpopulação. Ocorreu, inclusive, pressão internacional em vários países sul e centro-americanos, com promessas de investimentos atrelados à promoção do controle de natalidade. O foco das políticas antinatalistas claramente era a redução de populações julgadas indesejáveis. Entretanto, estas não conseguiam arcar com os custos do fármaco, mesmo com a existência esparsa de clínicas que a forneciam gratuitamente. Em geral, a contracepção oral foi um recurso de classes alta e média, sendo que a prole destas não era considerada uma ameaça ao desenvolvimento.


Nas décadas subsequentes a sua liberação, a pílula passou por altas e baixas de popularidade, com polarizações ferrenhas envolvendo a igreja católica, médicos, feministas e até mesmo os militares da ditadura. Seus efeitos colaterais passaram por grande escrutínio, levando ao consequente aprimoramento que tornou seu uso mais tolerável e até hoje figura como principal método contraceptivo. A despeito de suas controvérsias, o fármaco é um marco da segunda onda feminista, destacando-se como uma medida concreta que permitiu diversas mulheres postergarem ou se absterem da maternidade, em prol de obterem educação e inclusão no mercado de trabalho em carreiras que até então eram inacessíveis a mulheres.


Com aplicações reprodutivas e não-reprodutivas, melhor entendimento sobre riscos e benefícios, além de maior clareza nas indicações, os benefícios superam os riscos para a maioria das mulheres. O risco de trombose venosa profunda (TVP), por exemplo, é de 9.1 em 10.000 no uso da pílula combinada, já numa gravidez é de 30 em 10.000. Os benefícios de uma opção terapêutica não invasiva para o manejo do vasto espectro da dismenorreia (cólica menstrual), menorragia (menstruação volumosa), e sintomas perimenopausa e pré-menstruais também devem ser considerados. Ainda, uma das consequências positivas foi a redução drástica do número de histerectomias para a contenção de sangramentos.


As mudanças de paradigma trazidas pelo contraceptivo oral persistem, mas seu aprimoramento não deixa de ser necessário. A pílula precisa ser entendida como um recurso contraceptivo, com benefícios e riscos a serem ponderados, não uma etapa mandatória na vida da mulher. É sabido que o fardo da exposição, tanto aos custos, como aos riscos do uso de contraceptivos, impactam negativamente a condição de vidas das mulheres. Buscamos, portanto, por uma maior equidade no planejamento reprodutivo, o qual precisa responsabilizar todos os envolvidos e, acima de tudo, precisa ser entendido não como um luxo e benefício exclusivo das mulheres, mas sim como um recurso valioso para a sociedade como um todo.



REFERÊNCIAS:


BARNHART, Kurt T. Introduction: 50 years of evolution of contraceptive medicine. Fertility and sterility, v. 106, n. 6, p. 1271-1272, 2016.

PEDRO, Joana María. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. RevistaBrasileira de História, v. 23, n. 45, p. 239-260, 2003.

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LIAO, Pamela Verma; DOLLIN, Janet. Half a century of the oral contraceptive pill: historical review and view to the future. Canadian Family Physician, v. 58, n. 12, p. e757-e760, 2012.

SANTANA, Joelma Ramos; WAISSE, Silvia. Chegada e difusão da pílula anticoncepcional no Brasil, 1962-1972: qual informação foi disponibilizada às usuárias potenciais. Revista Brasileira de História da Ciência, v. 9, n. 2, p. 203-218, 2016.

VARGAS, Theresa. Guinea pigs or pioneers? How Puerto Rican women were used to test the birth control pill. The Washington Post, 9 de maio de 2017. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/news/retropolis/wp/2017/05/09/guinea-pigs-or-pioneers-how-puerto-rican-women-were-used-to-test-the-birth-control-pill/>. Acessoem: 08/12/2020.

PENDERGRASS, Drew C.; RAJI, Michelle Y. The Bitter Pill: Harvard and the Dark History of Birth Control. The Harvard Crimson, 28 de setembro de 2017. Disponível em: <https://www.thecrimson.com/article/2017/9/28/the-bitter-pill/>. Acesso em: 07/12/2020.

 
 
 

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