PRESS RELEASE: Passabilidade trans: entre barreiras, expectativas impostas e sociedade
- Jornal A Sístole
- 4 de fev. de 2021
- 3 min de leitura

Por Miguel Brito e Nathalia Cardozo
O termo passabilidade é usado para se referir ao quanto um homem ou uma mulher transgênero “passam por” um homem ou uma mulher cisgênero. Em uma entrevista à página BuzzFeed Brasil, a ativista trans Daniela Andrade resume a passabilidade como sendo o contexto em que a pessoa trans é lida pela sociedade como sendo cis, ou seja, pessoa que nasceu com uma genitália e se identifica com o seu corpo, independente da orientação sexual. É válido destacar, ainda, que orientação sexual é a forma como alguém se relaciona afetivamente com outros, não possuindo relação com a transexualidade, que muitas vezes cursa com a disforia do indivíduo acerca do próprio corpo e da própria imagem. Por conta desse mesmo peso social, a pressão pela expressão de gênero se torna uma expectativa importante dentro do universo trans, causando problemáticas inclusive psicológicas.
Evidenciou-se que o apoio à identidade trans e a passabilidade, segundo um estudo que visou analisar a prevalência de sintomas depressivos, ideação suicida e tentativa de suicídio em pessoas trans, apresentaram associação significativas com essas problemáticas. Assim sendo, esses resultados demonstram a presença de experiências de preconceito e elevados índices de sintomas depressivos e pensamentos suicidas, quando se compara tais dados com os da população no geral. (Chinazzo, 2019). É, portanto, sugestivo, que medidas de cunho social e voltadas à saúde mental das pessoas trans sejam ofertadas, inclusive a cunho individual, como modo de favorecer a afirmação da identidade trans.
Considerando a importância da representatividade trans nesse diálogo, fizemos um convite especial ao Leonardo Araújo, que nos trouxe mais informações:
“Meu nome é Leonardo, tenho 21 anos, sou estudante de teatro, sou apaixonado por arte e, por acaso, eu sou um homem trans (risos). Falo isso porque na maioria das vezes as pessoas veem primeiro que sou uma pessoa transgênero, antes de verem outras coisas sobre quem eu sou, não só no meu caso, mas as pessoas costumam se referir como uma condição e não como uma pessoa.”
Leonardo, é compreensível os estigmas e as dificuldades sociais e psicológicas que o peso da passabilidade possui na vida das pessoas trans. Como você enxerga que isso te afeta no cotidiano?
“Isso já entra no assunto dessa pergunta, porque a passabilidade está diretamente ligada ao meu cotidiano; hoje mesmo fui a uma médica, pedi para inserir meu nome social e ela, mesmo lendo “Leonardo”, me tratou no feminino a consulta inteira. É uma luta diária se impor em todos os ambientes, principalmente no início da transição. A carga é pesada demais, pois se cria espaço para o sonho de ter uma vida cisgênera, que nunca será alcançada, mas que, na verdade, essa vontade incessante nada mais é do que o desejo de não ser incomodado, não receber olhares de repulsa ou palavras de ódio, é simplesmente querer respeito.”
Sobre essa temática, você gostaria de acrescentar algo, seja sobre sua vivência, seja sobre sua percepção acerca da importância de se discutir a respeito?
“É extremamente necessário que se debata essa temática em todos os ambientes e, mais importante que isso, que se dê espaço para as pessoas trans falarem. É necessário que se use os privilégios que se tem enquanto pessoa cisgênera para realizar coisas que são tão facilmente resolvidas como o nome social em uma ficha médica, para garantir um atendimento de qualidade. E, principalmente, para além de estudos e palestras, é necessário que tudo aconteça na prática para que, daqui há alguns anos, quem sabe, mudarmos toda uma estrutura de sociedade. É parar e pensar no benefício dos seus privilégios, o que você pode fazer no seu dia a dia para tornar a vida de pessoas trans um pouco mais confortável. Dentro das universidades, esse debate tem que ser cada vez mais recorrente, para que os profissionais de todas as áreas estejam preparados para fazer o que é mais necessário: nos humanizar.”
Referência Bibliográficas:
CHINAZZO, Ítalo Raymundo et al. Prevalência de sintomas depressivos, ideação suicida e tentativa de suicídio em pessoas trans e o impacto do estresse de minoria. 2019.
DE PONTES, Júlia Clara; DA SILVA, Cristiane Gonçalves. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Revista Periódicus, v. 1, n. 8, p. 396-417, 2017.
DA SILVA FERREIRA, Sérgio Rodrigo; NATANSOHN, Leonor Graciela. Objetos de aparecer e de desaparecer de Anastacia: diálogos sobre passabilidade trans* e o direito ao manejo dos próprios dados on-line a partir de um estudo de caso. Cadernos de Comunicação, v. 23, n. 1, 2019.
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