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PRESS RELEASE: MUITO ALÉM DO WHATSAPP - A IMPORTÂNCIA DO RIGOR CIENTÍFICO NOS ENSAIOS CLÍNICOS

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 22 de abr. de 2020
  • 5 min de leitura


Por Arthur Bortone e Marina Matos


Os princípios por trás dos principais testes de tratamentos ainda são obscuros para a população, entretanto não são muito difíceis de entender. Mesmo estruturados em princípios intuitivos e simples, e altamente necessários para a compreensão da ciência médica moderna, os modelos de ensaios clínicos ainda são pouco ensinados em escolas ou até mesmo ‘’embrulhados’’ em termos científicos que apenas complicam. Diante disso, este pequeno artigo se propõe a desmistificar os principais pontos dos testes de tratamento utilizados na ciência atualmente.


Por que necessitamos de testes de tratamento?


1. Pois a natureza em si já é um grande curador! Muitos dos problemas de saúde se agravam na ausência de tratamento, entretanto, muitos simplesmente se curam sem interferência externa. Como disse um pesquisador envolvido na pesquisa do tratamento do resfriado comum: ‘’Se um resfriado for tratado energeticamente, ele ficará bom em uma semana, se não, ficará bom em 7 dias’’.

2. Porque o tratamento proposto pode PIORAR a situação! Imagine um quadro clínico simples como um desconforto intestinal leve ou uma erupção cutânea. Geralmente esses quadros comportam-se de maneira auto-limitada (“curam espontaneamente”), sem influência externa. Sabendo a evolução natural da doença, podemos medir quais influências podem interferir no curso da doença, tanto para a remissão quanto para a piora clínica. Quando uma doença tem remissão espontânea, como a artrite, em que os sintomas vêm e vão, é onde habita o perigo de tratamentos inadequadamente pensados, pois, há grande probabilidade de que a remissão natural da doença seja associada ao tratamento, erroneamente.

3. Somos seres naturalmente otimistas Dois pontos são já compreendidos pela psicologia, a nossa tendência de achar que um evento necessariamente segue outro e o chamado viés de confirmação. Tendemos a ver padrão em todas as coisas: jogos de moeda, padrões no mercado financeiro e no tratamento de doenças esse fato não é ausente. Além disso, temos a tendência de nos apegarmos aos dados que nos convêm, ou seja, ignorando aqueles que não nos satisfazem.

4. A necessidade de ir além das impressões: A ciência deve acatar tanto os resultados positivos quanto negativos, não somente para aproveitar os resultados positivos, mas também para haver a certeza de não implementação dos resultados negativos. Evitar gastos desnecessários e a maleficência ao indivíduo, devem ser as pedras angulares da pesquisa clínica.

Mas o que são testes justos (fair tests)?

É sabido que se deve ter cautela quando anunciamos um novo tratamento clínico para a grande mídia. Em tempos de pandemia, os resultados do tratamento tendem a ser exagerados ou até inflados, mesmo em revistas aparentemente respeitadas. Sendo assim, sem uma maneira de validação plena corremos dois riscos principais: Inviabilizar um tratamento viável ou viabilizar um tratamento danoso ou ineficaz. Os chamados ‘’fair tests’’ se propõe a validar as pesquisas, reduzindo ao máximo os possíveis vieses.


A base do ‘’Fair Test’’: Comparação

1. Para que as comparações sejam justas, deve-se garantir que iguais sejam comparados com iguais, alterando-se, apenas, os pontos a serem analisados no estudo. a. Pacientes diferentes tendem a responder de maneira diferentes ao tratamento. Ex: A insulina administrada a um paciente diabético e a um não diabético. b. Idealmente os grupos devem ser compostos por indivíduos com semelhanças que vão além de fatores mensuráveis, tais como gravidade da doença e idade. Alguns fatores de determinação mais complexa como dieta, ocupação e ansiedade em relação a doença também devem ser considerados na delimitação dos grupos. Preferencialmente os participantes devem ser selecionados antes do início do tratamento, não durante. Esse cuidado serve como meio de prevenção do seguinte dilema: os resultados refletem as diferenças do tratamento ou são resultantes das diferenças entre os participantes?


2. A comparação deve ser realizada, também em um espaço temporal adequado. a. As vezes pesquisadores comparam pacientes tratados no presente com outros tratados meses ou anos atrás, tais estudos podem ser prejudicados pela confiabilidade das informações pregressas, especialmente quando houver resposta dramática. b. Além disso, essa comparação temporal pode prever alterações clínicas não associadas ao tratamento, como mudanças sócio-espaciais, que não puderam ser levantadas nas comparações.


3. A alocação e seguimento de pacientes para comparar diferentes grupos de tratamento deve ser realizada sem viés de seleção. Quanto maior a subjetividade dos resultados mais desejável é a utilização de um modelo randomizado e duplo-cego. a. Quando possível os pacientes e os clínicos participantes do estudo não devem saber em qual grupo serão/estão alocados, ou seja, o estudo é duplo-cego. Um profissional que seja designado ao grupo placebo, por exemplo, pode desencorajar pacientes em estado grave de participar do estudo; ou até mesmo oferecer aos seus pacientes, como forma de compensação, cuidados adicionais que não estão sendo ofertados aos outros grupos, tornando a comparação injusta e os resultados enganosos. b. O modelo duplo-cego pode auxiliar a continuidade e integridade do estudo, evitando abandonos e análise enviesada de resultados. Tomando por exemplo um estudo onde um fármaco recente é considerado mais vantajoso que suas versões antigas. Caso os participantes soubessem que estão no grupo considerado inferior, a tendência é de maior abandono por parte dos pacientes, já que se sentem em desvantagem. Por parte dos clínicos poderia existir menosprezo dos resultados obtidos pelo grupo, já que esperam um desempenho superior do outro grupo. c. O modelo randomizado para comparar tratamentos pode ser realizado de diferentes formas, não sendo exclusivo a estudos com indivíduos recebendo terapias distintas. Outros exemplos de utilização são: comparar diferentes tratamentos dados em diferentes períodos para um mesmo paciente; comparar tratamentos dados em diferentes partes do corpo de um indivíduo, aplicando-se principalmente para lesões dermatológicas; comparar diferentes tratamentos dados para grupos ou populações de indivíduos. A alocação randômica, entretanto, não é um método adequado para comparação de procedimentos cirúrgicos diferentes ou intervenções de emergência. d. Mesmo com planejamento cuidadoso imprevistos acontecem, por exemplo, os pacientes podem consumir os medicamentos de forma equivocada, ou algum dos tratamentos não ser disponibilizado por falta de materiais e/ou pessoal. Casos discrepâncias sejam descobertas, suas implicações devem ser consideradas e abordadas com cuidado. O acobertamento de limitações fere a ética em pesquisa.


Como lidamos com os efeitos adversos não antecipados dos tratamentos? Antes de entrar no mercado um tratamento é testado em apenas centenas ou alguns milhares de humanos no seguimento de alguns meses, logo os efeitos adversos geralmente notados são os mais frequentes e de curto prazo. Os efeitos raros e/ou os que demoram mais tempo para se manifestar serão descobertos quando a terapia for utilizada por um público mais amplo num intervalo de tempo maior. Devido a ocorrência desses eventos vários países contam com serviços onde profissionais e pacientes podem relatar suspeitas de efeitos adversos, de acordo com a recorrência e veracidade das informações novas investigações sobre o tratamento são suscitadas. Quando os prováveis efeitos adversos são mais dramáticos e/ou ocorrem com uma frequência considerável, tornam-se mais simples de detectar e confirmar, sendo que os testes confirmatórios devem seguir o mesmo rigor esperado dos testes prévios ao lançamento do tratamento. Para ilustrar a relevância da investigação de novos efeitos, tomemos como exemplo o fármaco rosuvastatina, o qual foi associado a ocorrência de rabdomiólise após o lançamento, investigações comprovaram que os riscos se concentravam nos pacientes usuário de altas doses, o que permitiu modificações do protocolo de uso. Efeitos adversos mais discretos e/ou que se assemelham ao quadro clínico inicial tem detecção e confirmação mais complexas, mas quando suspeitas válidas são levantadas, estas podem ser investigados por testes adequadamente planejados e conduzidos.


Referência: EVANS, Imogen et al. Testing treatments: better research for better healthcare. Pinter & Martin Publishers, 2011.

 
 
 

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