PRESS RELEASE: DISPARIDADE SALARIAL ENTRE HOMENS E MULHERES NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO MÉDICA
- Jornal A Sístole
- 27 de ago. de 2020
- 3 min de leitura

“Por que a conta ainda não bate?”
Por Ramila C. L. Tostes
A primeira frase desse texto é desapontadora para qualquer estudante: não tem um porquê cientificamente comprovado que explique a conta não bater. Se você é mulher, isso se torna ainda mais doloroso: uma das estimativas dos estudiosos da área é que a conta ainda não bate pela simples construção social pautada no preconceito da sociedade patriarcal na qual estamos inseridas.
No estudo intitulado “A feminização da medicina no Brasil”, publicado em 2013, é dado que, desde 2009, entre os novos médicos registrados, há mais mulheres do que homens. Além disso, no grupo de médicos com 29 anos ou menos, as mulheres já são maioria.1 Isso diz muito sobre o futuro da profissão e, mais ainda, sobre a urgente necessidade de alteração das políticas salariais, quiçá comportamentais, da área.
Historicamente, as mulheres estiveram por muito tempo impedidas de ministrar suas próprias ambições, o que permitiu que praticamente todos os espaços sociais estivessem moldados a fim de perpetuar a soberania masculina. Com a medicina não foi diferente, poucas são as referências de mulheres verdadeiramente reconhecidas na área. E isso contribui para que, hoje, mesmo depois da inesgotável luta de milhares de mulheres pelo mundo todo, a população feminina ainda sofra com a desvalorização de seu trabalho frente aos empenhos masculinos.
No cenário brasileiro atual, representado em um artigo publicado na revista médica BMJ Open, realizado por um grupo de estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)2 foi trazido que:
“Na disputa pelos maiores rendimentos financeiros, as médicas brasileiras têm quatro vezes menos chances do que os seus colegas homens.”
“A chance de um médico homem estar entre os mais bem remunerados da profissão é de 17,1%, já para as médicas mulheres essa probabilidade fica nos 4,1%.”
“80% das mulheres na profissão estão nas três categorias de renda mais baixas, enquanto 51% dos homens estão nas três faixas de maiores rendimento.”
“Entre os médicos que trabalham de 20 a 40 horas por semana, apenas 2,7% das mulheres relataram receber mais do que US $ 10.762 por mês, em comparação com 13% dos homens.”
Dados como esses revelam o quanto as mulheres médicas ainda estão distantes da igualdade salarial dentro da profissão e, apesar de amplas literaturas apontarem que fatores como carga horária semanal, trabalho em consultório médico, tempo de prática e especialização podem influenciar na menor renda das mulheres, quando os valores foram ajustados pelos pesquisadores para compará-los de forma equânime, a disparidade entre homens e mulheres não desapareceu. O que se torna ainda mais assustador é que, diante disso, os pesquisadores não encontraram qualquer fator que pudesse explicar tais diferenças de rendimento, com a exceção do gênero.
A partir disso, torna-se evidente a necessidade de se adentrar ainda mais nessas diferenças e nas raízes de seu aparecimento na sociedade brasileira e mundial, a fim de sanar toda e qualquer desvalorização do trabalho feminino, não só na medicina, mas nas diversas áreas profissionais existentes; uma vez que as disparidades salariais em profissões tradicionais como medicina, engenharia e direito são menos proeminentes, ou seja, esse abismo é ainda maior em outras profissões.3 E, indo além das fronteiras brasileiras, a disparidade salarial de gênero é atualmente estimada em 23% em todo o mundo, o que significa que as mulheres em geral ganham 77% da renda dos homens.4
Em face desse panorama, é urgente a promoção de mais estudos consolidados sobre a temática, assim como o fomento a movimentos sociais e instrução coletiva e econômica diversificada, a fim de abolir a arcaica herança cultural relacionada à submissão feminina.
Referências:
1. Scheffer MC, Cassenote AFJ. A feminização da medicina no Brasil. Rev.bioét. 2013; 21: 268 - 77 http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n2/a10v21n2.pdf
2. Mainardi GM, Cassenote AJF, Guilloux AGA, et al O que explica as diferenças salariais entre médicos brasileiros e mulheres? Um estudo transversal nacional BMJ Open 2019; 9: e023811. doi: 10.1136 / bmjopen-2018-023811
3. MADALOZZO, Regina and ARTES, Rinaldo. Escolhas profissionais e impactos no diferencial salarial entre homens e mulheres. Cad. Pesqui. [online]. 2017, vol.47, n.163, pp.202-221. ISSN 1980-5314. http://dx.doi.org/10.1590/198053143666
4. Organização Internacional do Trabalho. Mulheres no Trabalho: Tendências 2016. Genebra: Organização Internacional do Trabalho, 2016
5. Jornal da USP /Estudo quantifica abismo salarial entre homens e mulheres na medicina, 2019. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/estudo-quantifica-abismo-salarial-entre-homens-e-mulheres-na-medicina/.
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