PRESS RELEASE: ABORTAMENTO LEGAL - o que o SUS oferece?
- Jornal A Sístole
- 5 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Abortamento legal – o que o SUS oferece?
Por Nathalia Cardozo e Miguel Brito
Os órgãos de saúde internacionais e nacionais entendem o abortamento inseguro como um problema de saúde pública desde a década de 1990. Diversas conferências foram realizadas pela ONU, como a Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), a fim de que, dentro da autonomia e do sistema legal de cada país, fosse possível minimizar os efeitos dessa problemática ao redor do globo. O Brasil foi a favor desta convenção e assinou tratados que definem até os dias atuais como funciona o abortamento legal pelo nosso sistema de saúde.
Quando o abortamento é permitido por lei?
1. Situações em que a vida da mulher corre risco e o abortamento é o único meio de mantê-la viva;
2. Casos de violência sexual em que a interrupção da gravidez seja consentida pela mulher ou representante legal;
3. Fetos com malformações incompatíveis com a vida (anencefalia), com consentimento da mulher.
O que é necessário para que o abortamento seja realizado?
Diante da lei, não há idade gestacional (IG) limite para realização do abortamento, exceto nos casos de violência sexual, em que a interrupção da gravidez só é permitida até 20 semanas ou até 22 semanas, se o feto ainda pesar menos de 500g.
Quando se trata de documentos, são necessários: consentimento da gestante ou do representante legal (salvo em casos de risco eminente à vida da mulher), relato circunstanciado do evento (se for caso de violência sexual), parecer técnico, termo de aprovação do procedimento e termo de responsabilidade. Para situações de anencefalia, ainda são necessários dois exames ultrassonográficos que comprovem a condição clínica. Não é necessário boletim de ocorrência nem autorização judicial nos casos permitidos por lei.
O atendimento no caso de suspeita ou relato de violência sexual é obrigatório e integral. Sabe-se, nesse contexto, que o atendimento às vítimas desse tipo de violência é complexo e deve ser cuidadoso, exigindo o trabalho coordenado e conjunto de uma equipe multidisciplinar que tenha, idealmente, experiência com o tipo de caso.
Mulheres de qualquer idade podem abortar pelo SUS?
O Código Civil descreve que:
A partir dos 18 anos: a mulher pode consentir;
Entre 16 e 18 anos - a decisão da gestante deve ser manifestada junto de seus pais ou representante legal e em casos de discordância:
se o representante opta pelo abortamento e a adolescente não, prevalece a vontade da menina;
se o representante recusa o abortamento e a adolescente aprova, o caso vai para o sistema judiciário (Conselho Tutelar, Defensoria Pública ou Ministério Público);
Menores de 16 anos e mulheres incapazes de manifestar sua vontade: os pais ou o representante legal são responsáveis pela decisão.
Todo(a) médico(a) é obrigado(a) a realizar o procedimento?
De acordo com o Código de Ética Médica, é direito do profissional “recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência (art.27).” O documento não torna mandatório que o profissional aceite o desejo da paciente e interrompa a gestação nos casos de violência sexual e/ou fetos anencefálicos, desde que haja outro médico apto a fazê-lo, mesmo que seja em outro serviço da rede.
No entanto, o médico não pode se recusar a realizar um abortamento se esta for a única possibilidade de salvar a vida da mulher ou se sua objeção for prejudicial à saúde da paciente. “Em caso de omissão, o(a) médico(a) pode ser responsabilizado(a) civil e criminalmente pela morte da mulher ou pelos danos físicos e mentais que ela venha a sofrer, pois podia e devia agir para evitar tais resultados (Código Penal, art. 13, § 2º).”
Mesmo que o médico(a) opte por não realizar o procedimento, é dever deste profissional, se este faz o primeiro atendimento, acolher a mulher, não fazer juízo de valor, escutá-la, respeitá-la e garantir seu acesso ao serviço, oferecendo uma postura humanizada como cuidador, princípio previsto na norma técnica. “A atenção humanizada às mulheres em abortamento é direito de toda mulher e dever de todo(a) profissional de saúde.”
Culpabilização e a mulher como ré?
É inegável que o sentimento de culpa pode rondar as mulheres nesse contexto. O processo de autocondenação e o estigma relacionado à ilegalidade do abortamento cria condições desfavoráveis para a saúde psicológica dessa mulher, ainda que ela esteja respaldada por casos plausíveis dentro da lei. O suporte em saúde mental pode favorecer o enfrentamento situacional e contribuir para a recuperação dessa trama que, apesar de poder envolver diversos sujeitos, as coloca majoritariamente em um lugar de vulnerabilidade. A dor física e psicológica fazem parte dos casos e negligenciar a existência delas pode amplificar o sofrimento e acarretar consequências nocivas a longo prazo. A visão social ainda se enraíza em diversas fontes de saber e por isso faz-se necessário a atuação do SUS e dos demais sistemas de saúde no combate a essa estigmatização, bem como no apoio psíquico pós-abortamento.
Referências:
ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO – Norma Técnica. Ministério da Saúde. Brasília, DF. 2011.
https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2013/04/16/interna_tecnologia,372063/aborto-deixa-sequelas-psicologicas.shtml
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