Por que dormimos? Os impactos da privação do sono
- Jornal A Sístole
- 8 de dez. de 2022
- 5 min de leitura

Por Isadora Santana e Leandro dos Santos
Dormir: um ato ubíquo e vitalmente necessário para a manutenção da saúde de todos os animais. Para os humanos, o sono ocupa cerca de um terço da vida, compondo parte da rotina diária de todos e sendo necessário em boa qualidade e quantidade para a manutenção do bem estar e da saúde. Dormir menos do que o necessário para se sentir descansado, ou, ainda, passar um dia sem dormir, assim como um sono de má qualidade, podem trazer diversas implicações negativas para o organismo, inclusive facilitando o adoecimento.
Tais informações são de conhecimento geral, e, certamente, você já tem alguma experiência pessoal com o assunto. Entretanto, você pode ter se perguntado: por que precisamos dormir, e o que o sono (ou a falta dele) faz, exatamente? O Jornal A Sístole discorrerá sobre as descobertas que a ciência fez até hoje acerca da função do sono e do que a privação dele pode causar nos humanos.
1. Dormir restaura a concentração e a performance cognitiva
É comprovado por estudiosos da área que o ato de dormir contribui de diversas formas para a manutenção da saúde e da performance humanas no dia a dia. Um dos principais efeitos de um bom período de sono é a restauração da concentração e do pensamento cognitivo claro e ágil. Nesse sentido, um estudo conduzido por Dinges e colaboradores demonstrou, por meio de um teste de vigilância psicomotora que afere a capacidade de um indivíduo manter a atenção e responder a sinais em tempo adequado, que tais faculdades declinaram acentuada e rapidamente quando os voluntários se mantiveram acordados por mais de 16 horas seguidas. Além disso, déficits parciais diários de sono são cumulativos, isto é, dormir 1 hora a menos por vários dias também pode causar efeitos similares aos da privação mais prolongada de sono.
Os mecanismos fisiológicos exatos para a execução dessa função ainda não são totalmente elucidados. Todavia, alguns estudos comprovaram que, em modelos animais, durante o sono, ocorre uma maior circulação de líquido cefalorraquidiano (LCR) - fluido que ocupa o espaço subaracnóideo, localizado entre as membranas aracnóide e pia-máter das meninges e circunda o encéfalo e a medula espinhal. Essa maior ciclagem de LCR leva à eliminação acelerada de toxinas e escórias do metabolismo que se acumularam ao longo do período de vigília, servindo como uma forma de “manutenção cerebral” para que a homeostase seja preservada.
2. Dormir consolida e preserva as memórias de longo prazo
Vários avanços recentes vêm ocorrendo no que tange a consolidação de memórias de longo prazo, entretanto todos reforçam o papel fundamental que o ato de dormir possui nessa atividade cerebral.
Mediante a exposição a novas informações relevantes a longo prazo durante a vigília, o organismo forma sinapses – conexões – entre neurônios do hipocampo (região do lobo temporal do cérebro, de suma importância para a formação de memórias). Este fenômeno inicia o processo de aquisição de memórias de longo prazo, o qual será somente consolidado durante o sono, quando o cérebro inicia seu ciclo entre os estágios que compõem esse estado.
De forma simplificada para esta explanação, o sono pode ser dividido em sono REM (Rapid Eye Movement) e sono de ondas lentas (sono não REM). Os dois estágios são
vivenciados ao dormir, sendo o REM gradativamente mais frequente e mais profundo quanto mais o indivíduo dorme, e ambos são importantes para a consolidação da memória. Durante o sono de ondas lentas, sinapses localizadas nos neurônios hipocampais são acionadas, em um processo de “repetição” do que foi aprendido nos dias anteriores. Tal processo gera a revisão e a transformação dessas memórias,facilitando a abstração de conceitos esquemáticos (como fluxogramas), além da translocação das conexões do hipocampo para o neocórtex (parte mais desenvolvida do cérebro humano, responsável pela percepção sensorial, comandos motores, consciência e linguagem). É nessa região que a memória de longo prazo se consolida e permanece, de fato, após repetidos ciclos de revisão e transformação, que podem durar mais de um período de sono. O sono de ondas lentas é extremamente importante na formação das memórias declarativas (fatos que podem ser lembrados ou declarados conscientemente).
O sono REM parece ter um papel na consolidação das memórias modificadas e armazenadas durante o sono de ondas lentas, além de fixarmemórias espaciais (lembrar-se do caminho de casa, para o trabalho, etc.) e contextuais (quando e onde uma memória ocorreu). Entretanto, tais afirmações são difíceis de serem comprovadas face à dificuldade de isolar a atividade cerebral durante o REM.
3. Os impactos da privação do sono
O sono é um processo fisiológico essencial para a manutenção de diversos mecanismos inerentes à homeostase, como já explicitado. Logo, a sua privação culmina em alterações significativas do desempenho cognitivo, físico e até mesmo social dos indivíduos, comprometendo consideravelmente a qualidade de vida. Quem nunca perdeu uma noite de sono e ficou completamente irritado e desatento no outro dia? As alterações do humor, da atenção e do rendimento de forma geral são sintomas conhecidos da privação do sono, no entanto, esse hábito pode acarretar problemas maiores do que imaginamos.
Diversos estudos têm objetivado elucidar como a privação do sono está relacionada com o adoecimento humano, tanto físico, como mental. Um estudo de coorte, realizado nos Estados Unidos no período de 1986 a 1999, demonstrou que mulheres que dormiam 5 horas ou menos apresentaram um aumento de 39% no risco de desenvolver doenças coronarianas (cardíacas) em comparação com aquelas que possuíam sono de 8 horas diárias. Isso se deve, majoritariamente, ao funcionamento desequilibrado do Sistema Nervoso Autônomo Simpático, devido à ausência de suspensão da ação da adrenalina, o que ocorre durante um sono com período e qualidade satisfatórios.
As crianças e os adolescentes também não estão safos das consequências da privação do sono. Em 2019, uma pesquisa americana analisou a duração do sono e a correlação com comportamentos relacionados ao peso, como a alimentação e a atividade física em adolescentes. Constatou-se que a menor duração do sono está associada ao maior consumo de carboidratos, cafeína, energéticos e ingestão reduzida de legumes, aumentando assim o risco de sobrepeso, de obesidade e de resistência à insulina.
Portanto, manter uma rotina de sono, priorizando sempre um tempo adequado é de suma importância. Para além de manter bons rendimentos no trabalho, na escola e em outras atividades diárias, um sono de qualidade é essencial para também evitar o desenvolvimento de diversas doenças crônicas, tanto físicas, como mentais.
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