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PERMANÊNCIA ESTUDANTIL: O VESTIBULAR É MESMO O ÚLTIMO OBSTÁCULO DO ESTUDANTE?

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 29 de out. de 2020
  • 4 min de leitura


Por Arthur Bortone e Marina Matos Souto

O ensino superior no Brasil foi por décadas um sistema altamente elitizado, cujo destino era a incorporação de membros das classes sociais privilegiadas, atuando como agente mantenedor da hierarquia social. Neste contexto, a graduação em medicina sempre se destacou como uma das opções mais visadas, englobando motivos como boa remuneração e prestígio social. Com o objetivo de ascensão social, construção de carreira ou até mesmo para atender às expectativas de pais e familiares, anualmente, as salas de concursos lotam de candidatos aspirantes. Entretanto, a dinâmica de inserção desses indivíduos no meio acadêmico comporta-se, grande parte das vezes, como a estrutura social vigente, com alto grau de disparidade social.


Com o elevado grau de exigência dos vestibulares, bem como a alta taxa de competitividade, os cursos mais concorridos tendem a exigir médias bastantes superiores às dos cursos com menor relação candidato-vaga. A alta concorrência e a morosidade na adaptação do ensino médio a um modelo que supra as exigências dos concursos vestibulares fomentou a criação de uma estrutura de mercantilização do ingresso, com estruturas de cursos pré-vestibulares a preços exorbitantes, com taxas que podem chegar em média a 1.200 reais mensais. Tais taxas, somadas aos materiais igualmente custosos, demonstram o grave abismo educacional brasileiro, pois os valores gastos apenas com recursos educacionais aos filhos correspondem aos gastos mensais ordinários de um extrato de mais de 55 milhões de brasileiros.


A expansão universitária brasileira se iniciou na década de 1990, mas só nos anos 2000 os estratos sociais mais baixos começaram a ocupar de modo expressivo vagas no ensino superior, graças a programas como PROUNI (2005), FIES (2001) e lei de cotas (2012). A lei de cotas contempla estudantes de escola pública, pretos, pardos e indígenas e/ou com renda familiar ≥ a 1,5 salário mínimo per capita, permitindo maior ingresso dos chamados estudantes de primeira geração, ou seja, os primeiros da família a alcançarem o ensino superior. Nos cursos elitizados as cotas sociais tenderam a diversificar, entretanto ainda de maneira lenta, o perfil discente.


Embora não possua custos fixos como os cursos de odontologia e arquitetura, a medicina ainda possui gastos comuns aos demais, como moradia, alimentação, transporte e lazer. O curso de caráter integral, impossibilita, na maioria das vezes, a aquisição externa de renda, ou seja, a dependência financeira é exclusiva de seus provedores e de sistemas de auxílio permanência vigentes. A implantação do sistema de seleção unificado (SISU) aumentou expressivamente o número de pessoas que migram para estudar e a medicina, com sua alta concorrência, é um dos cursos que mais fomentam a migração. Estes estudantes enfrentam as barreiras econômicas impostas pelas longas distâncias, porém não são raros os casos de aprovados que desistem da vaga pelos custos de viagens e moradia. Os que superam esse desafio inicial precisam lidar com a ameaça que o alto custo de vida de várias cidades representa a permanência universitária.


Frente às mudanças de perfil socioeconômico nas universidades públicas, em 2010, foi criado o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), voltado a oferecer assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico. O plano tem o intuito de democratizar as condições de permanência; minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais durante a estadia na universidade; reduzir a retenção e evasão; e promover a inclusão social por meio da educação. Entretanto, embora presentes, os programas de permanência ainda perecem por diversos fatores, dentre eles: o não reajuste de bolsas há quase 10 anos, a redução numérica e até mesmo a não abertura de editais de oferta das mesmas em virtude dos reajustes de verbas que se tornaram rotina.


Hoje, as bolsas de permanência variam de 100 a 800 reais, sendo que quanto maior o valor, menos numerosa é e consequentemente mais dificultado é o processo de aquisição da mesma. Com as altas taxas de inscrições nos processos de auxílio estudantil, o número de alunos contemplados por bolsas é bastante diminuto, um exemplo local da fragilidade da assistência é o penúltimo edital de auxílios da UFRJ (2019), que contava com 1.100 bolsas e quase o triplo de inscritos. O aluno bolsista geralmente consegue 400,00 mensais para cobrir suas despesas, tal valor é insuficiente para cobrir os gastos mensais até do estilo de vida mais modesto, o que pode gerar, por exemplo, insegurança alimentar, impossibilidade de custear medicamentos e inexistência de lazer. Considerando que a maioria das universidades se concentram em capitais ou cidades metropolitanas médias, com importante processo de especulação imobiliária geradas por diversos fatores, dentre eles a inserção da universidade, é perceptível que tais valores tornam-se, de pronto, irrisórios.


As bolsas acadêmicas (iniciação científica, monitoria, extensão, etc.) acabam por representar uma oportunidade de custear a permanência, suprindo uma necessidade que originalmente deveria ser amparada pela assistência estudantil. Entretanto, a disponibilização dessas bolsas tem reduzido vertiginosamente nos últimos 5 anos, com diminuição ou extinção de várias oportunidades, o que resulta em concorrência acirrada e grande pressão para os estudantes que contam com o valor fixo de 400,00 para sua sobrevivência. Ainda no campo das atividades extracurriculares, a participação em eventos médicos como congressos e simpósios é virtualmente inacessível aos alunos de baixa renda, gerando uma importante discrepância nas vivências acadêmicas.


Com o crescente panorama de desmonte da educação pública, o cenário futuro é temeroso e ainda incerto, mas é nítido que, na atual configuração, o sistema de assistência social ainda é insuficiente para a manutenção da permanência do estudante de baixa renda.

Referências:

1. SANTOS, Lucas Carvalho dos. Impacto do PNAES na taxa de evasão de graduandos: um estudo do caso da UFRJ (2009 a 2016). 2018.

2. SILVA, Mariane Montibeller et al. Trajetórias universitárias: acesso, permanência e expectativas. 2019.

3. SACCARO, Alice; FRANÇA, Marco Túlio Aniceto; JACINTO, Paulo de Andrade. Fatores Associados à Evasão no Ensino Superior Brasileiro: um estudo de análise de sobrevivência para os cursos das áreas de Ciência, Matemática e Computação e de Engenharia, Produção e Construção em instituições públicas e privadas. Estudos Econômicos (São Paulo), v. 49, n. 2, p. 337-373, 2019.

4. DA SILVA1-UFSCAR, Hellen Cristina Xavier; FERNANDES, Maria Cristina da Silveira Galan. PERMANÊNCIA UNIVERSITÁRIA: PARA ALÉM DA ASSISTÊNCIA ECONÔMICA.

 
 
 

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