O GRUPO DE AJUDA FORMADO POR PROFESSORES DA UFRJ MACAÉ
- Jornal A Sístole
- 6 de out. de 2022
- 7 min de leitura

UMA ENTREVISTA COM DRA. MARTA DUDUS E DRA. EMILIANA MASSENA
Marta Dudus
Médica pediatra
Professora do curso de Medicina UFRJ Macaé
Presidente e idealizadora do Grupo de Ajuda
Emiliana Massena
Médica ginecologista e obstetra
Preceptora do curso de Medicina UFRJ Macaé
Tesoureira do Grupo de Ajuda
A CRIAÇÃO DO GRUPO DE AJUDA
“Eu (Marta) fazia parte da coordenação da Medicina e nas reuniões observamos diversos alunos com problemas, inicialmente de saúde mental. Tivemos o primeiro caso de suicídio no curso e, com ele, ressaltou-se a associação dos problemas de saúde mental com questões financeiras. No primeiro momento, me propus a fazer contato com psiquiatras de Macaé para conseguir consultas gratuitas para os alunos que necessitavam, entretanto, a demanda foi crescente e eu percebi que esse caminho não seria suficiente. Desse modo, busquei outras possibilidades de ajuda, primeiramente com atendimento psiquiátrico, suporte psicológico e ajuda financeira, que seria necessária. Foi quando ocorreu o segundo caso de suicídio no nosso curso. A partir desse triste evento, houve uma grande comoção, inclusive por parte dos médicos da Secretaria de Saúde da Prefeitura, com a mobilização de diversos profissionais querendo compreender o que estava ocorrendo, com o intuito de ajudar os alunos.
Compartilhei com esse grupo de médicos as minhas ideias e, em 2018, surgiu o nosso Grupo de Ajuda. Inicialmente, a ideia envolvia o ‘apadrinhamento’ dos alunos. Era organizada uma apresentação de cada um dos discentes, em formato similar a caso clínico, preservando a identidade dos acadêmicos, e os médicos escolhiam um deles para ‘apadrinhar’. Isso porque gostaríamos de ir além do âmbito financeiro, criando uma rede de apoio para os apadrinhados. Todavia, essa proposta foi substituída, pois não havia um controle e uma equidade entre os auxílios. Com isso, criamos um fundo único para gerir melhor as ajudas oferecidas, mas ainda tentando manter um vínculo pessoal com os beneficiados. Isso porque, além do básico para a subsistência, o cerne da questão é o acolhimento desse aluno na cidade, de forma que houvesse um vínculo entre o auxiliado e o Grupo de Ajuda.
No começo, a ideia era fazer um levantamento por meio de entrevistas pessoais, porém a demanda foi muito grande. Desse modo, inicialmente estruturamos um questionário com dados socioeconômicos, identificação, trabalho, renda per capita e, também, com um espaço para que o aluno expressasse suas necessidades. Tais dados eram analisados e o grupo cooperava para atender as demandas dos acadêmicos. Em paralelo, pedimos, também, aos colegas (professores e preceptores) que estão no campo em contato direto com os alunos, que sinalizem caso percebam alguma dificuldade. Assim, mesmo os colegas que não contribuem financeiramente com o grupo podem nos auxiliar a identificar aqueles que necessitam.
Ainda no final de 2018, fizemos um café da manhã para reunir os participantes (discentes e médicos), um momento marcante para o Grupo de Ajuda e que evidenciou a nossa vontade de auxiliar os alunos. A partir de então, o projeto foi crescendo, ganhando novos doadores voluntários e atendendo mais estudantes que necessitavam de auxílio para permanecer no curso.”
OS ORGANIZADORES DO GRUPO
“No início éramos eu (Marta Dudus) e a professora Lilian Bahia, que fazíamos parte de uma comissão de eventos do curso de medicina - algo que não era relacionado à assistência estudantil. Mesmo depois da nossa saída dessa comissão, continuamos a trabalhar juntas nesse projeto, contando com a colaboração de outros profissionais, como a Emiliana. Atualmente estamos em um processo de transformação do grupo em uma Associação e, para isso, temos uma diretoria recém-formada, a qual é composta por mim (Marta Dudus), Lilian Bahia, Rafaela Pessanha, Emiliana Massena, Rossy Bastos, Flávio Davi, Sheila Oliveira, Érica Pimentel, Cristina Cadinelli e Maurício Clímaco.
É importante ressaltar que consideramos importante preservar a privacidade dos alunos beneficiados. Isso porque os discentes estão em situações vulneráveis e queremos evitar a estigmatização dos mesmos - principalmente considerando o fato de que são muitos colaboradores voluntários, os quais eventualmente terão contato com tais discentes nos campos práticos.”
DE GRUPO DE AJUDA À UMA ASSOCIAÇÃO
“A criação da Associação Médica de Ajuda ao Estudante Universitário (AMAE) sem fins lucrativos tem sido um passo importante para a expansão do nosso grupo. Através dessa estrutura podemos buscar colaborações para além do âmbito individual, com doações de empresas que eventualmente também podem se beneficiar com a dedução de impostos, por exemplo. Assim, buscamos orientação profissional de advogados, que nos auxiliaram na formalização do nosso trabalho, e, recentemente, tivemos uma assembleia de instauração da Associação, com a efetivação da diretoria. Em breve os registros serão formalizados no cartório e iniciaremos a nossa atuação enquanto Associação.”
COMO FUNCIONA O PROCESSO SELETIVO
“Até o momento, os alunos que precisam do nosso auxílio entram em contato conosco e preenchem um questionário. A segunda etapa é uma entrevista com a Érica, assistente social voluntária do Grupo de Ajuda. Ela auxilia na seleção dos alunos e também na compreensão das reais necessidades de cada um deles, permitindo que a rede de ajuda avalie formas de auxílio.
Não temos a mesma formalidade que a Universidade tem para a seleção dos beneficiados, já que o nosso trabalho é voluntário. A nossa prioridade é atender aquele que não possui nenhuma forma de assistência da UFRJ, porém entendemos que receber um auxílio da faculdade não significa ter suas necessidades atendidas, portanto, não consideramos como critério de exclusão. Com a criação da Associação, há a possibilidade de mudanças no modo como fazemos o nosso processo seletivo, com maior formalidade.”
AS FORMAS DE AUXÍLIO E OS BENEFICIADOS
“Desde que começamos, nós tivemos 37 alunos que já receberam algum tipo de auxílio e hoje não recebem mais. No momento, outros 22 alunos estão recebendo de forma regular a nossa ajuda. Quando eu digo isso me refiro a todo tipo de ajuda; antes da pandemia, por exemplo, tínhamos convênio com o restaurante do Polo Universitário, então alguns alunos faziam refeições e o Grupo de Ajuda cobria os custos no fim do mês. Então, teve aluno que recebeu almoço; teve aluno que estava muito deprimido e não tinha dinheiro para visitar a família, portanto fizemos uma vaquinha para custear a viagem para passar as férias com os pais; teve aluno que tentou suicídio e a gente precisou trazer a família para dentro do hospital, custeando a passagem e o hotel; dentre outras diversas formas de auxílio. Eu acredito que conseguimos ajudar de alguma forma todos os que chegaram até o grupo. Algumas vezes o auxílio é temporário, como os pais ficarem desempregados ou o falecimento de um familiar. Por isso avaliamos como está evoluindo a situação do discente, tanto para melhorar a ajuda, mas também para definir se o auxílio ainda é necessário.
É importante ressaltar que em alguns casos, especialmente os graves, entramos em contato com a PR-7, pois a UFRJ precisa estar ciente do que está acontecendo com os acadêmicos. Por vezes temos acesso a alunos em situações delicadas e que a PR-7 não tem ciência. Dessa maneira, como somos um grupo que trabalha em paralelo à universidade, nós fazemos esse contato porque a faculdade precisa saber oficialmente da situação do aluno e participar desse processo de apoio. Entendemos as limitações da PR-7, principalmente considerando a necessidade de realizar um processo formal para atender as normas do Governo. É por isso que estamos aqui, para atender quando a Universidade não consegue. Gostaríamos que todos tivessem o direito às bolsas, mas sabemos que não é possível.”
OS IMPACTOS DO GRUPO DE AJUDA
“Não existe nada mais gratificante do que o aluno que precisou do nosso auxílio e agora, depois de formado, contribui com o grupo e ajuda os colegas. São diversos que se formaram em turmas anteriores, sendo que nessa turma de formandos de quinta-feira eram, pelo menos, cinco acadêmicos que passaram pelo Grupo de Ajuda. Ontem estava vendo os questionários antigos e um em específico me chamou atenção, comecei a chorar porque o menino se formou! Eu mandei a foto do questionário para ele e falei: ‘Tenha na sua mente que tudo passa; olha só o que você passou e olha onde você está hoje’. No questionário ele dizia ‘eu não tenho como sobreviver aqui, eu não vou conseguir, não vou dar conta’.
É lindo ver que, às vezes, o aluno só precisa saber que ele não está sozinho. Algumas vezes a gente nem ajuda tanto, mas só do aluno saber que tem apoio, já basta. Para mim é um sentimento sensacional, a maior alegria. E o retorno que nós temos deles, a alegria que eles têm em contribuir com a rede de ajuda, é emocionante.”
PROJETOS FUTUROS
“Uma coisa que nós incluímos no início e que, infelizmente, não conseguimos continuar, foram vagas em academias para que os alunos que necessitam possam fazer atividade física de forma gratuita. Pretendemos continuar com esse trabalho por causa da importância da atividade física na saúde física e mental. Também acreditamos que outros agregadores virão, como a construção do restaurante universitário; a montagem de uma estrutura para atividade física dentro do Polo Universitário, com construção de quadras e de banheiros no local; uma sala ou contêiner que pode ser montado para área de descanso entre as aulas, por exemplo. Temos outras ideias em mente e acreditamos que, com a transformação do Grupo em uma associação, nós receberemos inclusive o apoio de empresas. A expectativa é que, com o crescimento das doações, consigamos auxiliar mais alunos, quem sabe até de outros cursos.”
MENSAGEM FINAL
“Mais do que assegurar a entrada na Universidade, as políticas de permanência são essenciais. Para além disso, as políticas de pertencimento, que é o que nós nos propomos a fazer, são imprescindíveis. Por vezes o aluno consegue a aprovação na Instituição, recebe o auxílio permanência, mas há um sentimento de que ele está ali de favor, como se a Universidade Pública não fosse para ele. Recentemente conheci um professor formado em Matemática, negro, que fez parte da primeira turma com políticas de cota. O relato que ouvi foi de uma pessoa que se sentiu mal durante toda a sua graduação, como se ele não tivesse o direito de estar ocupando aquele espaço - o que era, inclusive, reforçado pelos colegas de sala. Então, mais do que estar na Universidade, é preciso assegurar o pertencimento - a Universidade Pública é um direito de todos.”
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