NOTA DO CA: O ENFRENTAMENTO DA COVID-19 PELA POPULAÇÃO INDÍGENA
- Jornal A Sístole
- 29 de abr. de 2020
- 3 min de leitura

Historicamente, a população indígena brasileira sofreu inúmeras invasões, fato de grande relevância para a saúde desses povos, uma vez que reflete sobre seus perfis de adoecimento e morte. Entre suas causas de morte, destaca-se as relacionadas à violência externa (decorrentes de guerras, genocídios, etc.) e à disseminação de doenças infecciosas. Como a maioria era afetada, não havia quem produzisse alimento, assim, a fome assume papel central, junto à fragilidade da barreira imunológica dos nativos. Em vista disso, a redução populacional dos indígenas foi tão expressiva que se chegou a aceitar a ideia de sua extinção gradual (Ribeiro, 1996), o que foi, mais tarde, negado. Portanto, a luta contra um inimigo invisível não é novidade para os povos indígenas, o que não torna, porém, o atual contexto de pandemia pela COVID-19 mais fácil para eles, mas sim carregado de marcas sociohistóricas.
O CAMM, entendendo a relevância de introduzir e debater assuntos que perpassam transversalmente nossa educação médica, no melhor entendimento da importância da discussão sobre a saúde de populações marginalizadas na formação acadêmica, usa do presente espaço para evidenciar a necessidade de se expor as diferenças de gravidade do impacto da atual pandemia na saúde das populações negligenciadas.
Centrando-se na população indígena, é dado que essa possui uma “vulnerabilidade diferenciada”, seja por sua constituição particular e histórica, seja pela grande negligência na educação médica brasileira, que também acontece nos meios de promoção à saúde criados, em sua essência, para abarcar a população “não-indígena”. Isso pode ser demonstrado, inclusive, na formação do SUS, que só incluiu a questão da saúde indígena integralmente em seus âmbitos cerca de 10 anos após sua criação. No que tange à educação médica, não há, na maioria dos cursos, disciplinas que incluam a saúde das populações vulneráveis em sua estrutura e, quando o fazem, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas é, por tantas vezes, ignorada.
No contexto atual, os casos de COVID-19 em indígenas são monitorados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que é subordinada ao Ministério da Saúde. Atualizações do dia 27 de abril de 2020 mostram 89 casos confirmados em áreas rurais e 4 óbitos nessas mesmas condições; e isso sem contar com o caso total de indígenas que vivem em áreas urbanas. É importante frisar a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja por distância geográfica ou pela falta de equipes de saúde direcionadas para as áreas indígenas.
É relevante compreender, ainda, que em muitas comunidades o isolamento social é difícil de ser realizado devido à instalação conjunta de muitas famílias com faixas etárias diversas. Associado a isso ainda existe a problemática presente de garimpeiros e madeireiros que transitam nesses locais proporcionando um risco ainda maior para essa população.
Frente a um possível cenário de dispersão da doença, medidas como implantação de novos leitos e remanejo para UTI devem ser priorizadas, com particular urgência nas regiões com número baixo de leitos por habitante. Além disso, é de extrema importância o diálogo com líderes indígenas e a compreensão de suas técnicas próprias de combate às epidemias. Por outro lado, a proximidade com áreas urbanas com transmissão sustentada é um ponto de atenção. Para esses casos, há um incremento da vulnerabilidade devido às condições sociais como a insuficiência de territórios reconhecidos, insegurança alimentar e condições de vida precárias.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Manuela Carneiro da. O futuro da questão indígena. Estud. av., São Paulo, v. 8, n. 20, p. 121-136, Apr. 1994.
U, Oliveira. Et. Al. Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao covid-19. Minas Gerais, 2020.
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