Mudança no rol dos planos de saúde
- Jornal A Sístole
- 7 de jul. de 2022
- 4 min de leitura

Por: Lívia Torres e Wellyngton Luiz
No dia 08 de junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por 6 votos a 3, tornar taxativo o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para planos de saúde. Para entender o porquê dessa decisão estar dividindo opiniões, é preciso, antes, apropriar-se de alguns conhecimentos acerca de como isso se dá e de como afeta a saúde da população brasileira.
Em primeira análise, é ponderoso destacar que, até o presente momento, o rol da ANS apresentava há mais de duas décadas, o caráter exemplificativo, na medida em que coberturas mínimas obrigatórias eram contempladas e não se excluíam outros procedimentos e tratamentos. Já o caráter taxativo consiste na obrigação da empresa de saúde em cobrir apenas os procedimentos que constam na lista da ANS. À vista disso, o que antes era considerado cobertura mínima seria tido, então, como padrão.
Para defender a taxatividade do rol, o ministro Luís Felipe Salomão traz a ilusória ideia de que tal ação atenderia a um maior número de desassistidos, uma vez que isso poderia auxiliar na redução do valor dos planos de saúde, dada a redução dos altos custos com certos procedimentos que estão para além da lista da ANS. Todavia, esse argumento é contraposto por outro dado: o aumento de 15,5% que os planos de saúde sofreram foi o maior aumento desde os anos 2000. A mudança do rol exemplificativo para o taxativo, na prática, não só reduzirá a adesão da população brasileira aos planos- que, até então, apresentou uma tendência a procurar a saúde privada por conta da redução de políticas públicas-, como também contribuirá para diminuir o acesso a alguns procedimentos/tratamentos mais complexos não cobertos pelo rol da ANS, como medicamentos para quimioterapia oral, radioterapia e cirurgias com técnicas robóticas .
Quanto a judicialização, Lígia Bahia, professora da UFRJ e especialista no mercado privado de saúde, afirma: “um contrato sem cobertura, é disso que se trata, então, na realidade, quando se fala segurança jurídica, leia-se mais plano de saúde, com menor cobertura e mais segurança jurídica para as operadoras. Então, não é uma segurança jurídica para a população.”
Outro ponto levantado por quem apoia a mudança é a atualização da lista de procedimentos da ANS, que antes acontecia de 2 em 2 anos, e hoje acontece de 6 em 6 meses, dando, assim, a impressão de uma cobertura capaz de atender de forma inovadora os usuários. Porém, como a professora Lígia Bahia aponta, o problema consiste em quem decide essa atualização, pois essa comissão é formada por alguns grupos não especializados em saúde, como o Procon, alguns ministérios públicos, e as próprias operados dos planos de saúde, o que se apresenta como uma contradição, dado o conflito de interesses envolvido.
Logo, o ideal seria que essa decisão da cobertura prevista pela ANS fosse tomada por profissionais de saúde que estão em contato com o paciente e conhecem a demanda daquele usuário, o tratamento ideal, a melhor conduta. A eficácia de um processo tecnológico de saúde deve acontecer por meio de uma equipe qualificada-um conjunto de especialistas-, em um processo transparente, e é preciso que as operadoras tenham quase zero participação na comissão elaboradora, uma vez que elas são a parte interessada, principalmente, nos resultados financeiros dos contratos de serviço.
Lígia Bahia ainda complementa: “A lei já limita algumas coberturas, como quando diz que não é necessário ter cobertura para o atendimento crônico de pacientes com problemas de saúde mental, como se a saúde mental pudesse ser um problema apenas agudo.” Assim, a tendência é gerar um tratamento ainda mais restritivo, capaz de tratar saúde como consumação, uma vez que, para ter acesso a um tratamento mais avançado, o usuário tenha que pagar a mais por isso. Todavia, adoecer não é escolha, saúde não é produto, do mesmo modo que a quase proibição do usuário em usufruir do acesso a um tratamento adequado em caso grave é inadmissível.
Referências:
1. Como ficam os planos de saúde com a decisão do STJ. Entrevistada: Lígia Bahia. Café da Manhã, 10 de junho de 2022. Podcast. Disponível em:<https://open.spotify.com/episode/22Pdm0aTdE8dQnHxc953QN?si=5bf0866ba412481f> Acesso: 15 de junho de 2022.
2. Agência Nacional de Saúde Suplementar. O que é Rol de Procedimentos e Evento em Saúde. Disponível em:<https://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/737-rol-de-procedimentos> . Acesso: 16 de junho de 2022.
3. Agência Nacional de Saúde Suplementar. ANS pode rever reajuste para elevar a oferta de plano individual. Disponível em: <https://www.gov.br/ans/pt-br/canais_atendimento/comunicacao-e-imprensa/ans-na-midia/copy_of_Entrevista_O_Globo_MAR_2022.jpg>. Acesso: 16 de junho de 2022.
4. Agência Nacional de Saúde Suplementar. ANS TABNET: Informações em Saúde Suplementar. Disponível em:< http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/dh?dados/tabnet_02.def> . Acesso: 17 de junho de 2022.
5. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde. Disponível em: <https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/assuntos/consumidor/o-que-seu-plano-deve-cobrir/anexo_i_rol_2021rn_4652021.pdf> . Acesso: 17 de junho de 2022.
6. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados consolidados da Saúde Suplementar. Disponível em: <http://ftp.dadosabertos.ans.gov.br/FTP/PDA/Dados_Consolidados_da_Sa%c3%bade_Suplementar/>. Acesso: 17 de junho de 2022.
7. Planos de Saúde : STJ decide que rol de cobertura é taxativo; entenda o que deve mudar, de 08 de junho de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/06/08/planos-de-saude-stj-decide-que-rol-de-cobertura-e-taxativo-entenda-o-que-deve-mudar.ghtml> . Acesso: 18 de junho de 2022.
8. RESENDE, Andressa de Oliveira. A Agência Nacional de Saúde (ANS) e o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar: análise crítica à taxatividade do rol à luz do julgamento do REsp 1.733.013/PR pelo Superior Tribunal de Justiça. 2021. 21 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/33173
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