MIOPIA: A EPIDEMIA SILENCIOSA DA ATUALIDADE
- Jornal A Sístole
- 22 de jul. de 2021
- 3 min de leitura

Autor convidado: João Ricardo Arraes Oliveira
Graduando em Medicina da Universidade de Pernambuco e integrante da Liga Acadêmica de Oftalmologia da Universidade de Pernambuco (LAOFUPE)
Com o advento da pandemia da COVID-19, foram percebidas mudanças importantes nos hábitos de vida da população em escala global. Diante das estratégias de isolamento social, de fundamental importância para o controle da disseminação da doença, popularizaram-se ainda mais os meios de comunicação e lazer digitais, assim como as práticas de ensino e trabalho à distância.
Notavelmente, estudos demonstram um aumento significativo no uso de smartphones, computadores e demais dispositivos eletrônicos em países que adotaram medidas restritivas de lockdown e acredita-se que uma parcela significativa da população tenderá a perpetuar tais hábitos após o final da pandemia.
Apesar de tais mudanças serem esperadas e, em certos casos, indispensáveis, é preciso destacar que as mesmas podem estar agravando uma epidemia silenciosa que vivenciamos na atualidade: a epidemia da miopia.
O que é a epidemia da miopia?
A miopia é um dos mais comuns erros refrativos e decorre de um alongamento axial do globo ocular, que leva a uma convergência dos raios luminosos em nível anterior à retina, dificultando a visão para longe.
A incidência da miopia vem crescendo de maneira vertiginosa nas últimas décadas e estima-se que essa doença acometerá metade da população mundial em 2050, demonstrando o caráter epidêmico assumido pela mesma. Isso é de extrema relevância em termos de saúde pública, visto que o aumento da incidência de miopia resulta em uma maior prevalência da alta miopia e de suas complicações, tais como: descolamento de retina, glaucoma, neovascularização subretiniana e cegueira.
Mas o que justificaria tal aumento de incidência? O crescimento do número de míopes em escala global exclui a possibilidade de apenas uma etiologia genética estar envolvida, logo, acredita-se que haja uma associação com o aumento importante da exposição de crianças e adolescentes a dois comprovados fatores de risco ambientais da miopia: o trabalho de perto e a redução de tempo ao ar livre.
Trabalho de perto refere-se, principalmente, ao uso de telas e leitura; acredita-se que fatores biodinâmicos do olhar para baixo favoreçam o alongamento axial do globo ocular. O excesso de tempo em ambientes fechados favorece o esforço acomodativo e reduz a exposição à luz ambiente, que é um fator estimulante para a liberação de hormônios inibidores do alongamento axial.
Impacto da COVID-19
É notável que os fatores de risco supracitados estão estreitamente relacionados a modificações dos hábitos de vida da população jovem. Porém, destaca-se que grande parte dos estudos acerca da temática foi realizada antes da pandemia da COVID-19. O fato de tais hábitos de vida deletérios à saúde ocular terem se acentuado de maneira abrupta e intensa durante o período que vivenciamos torna plausível os argumentos de autores que antecipam uma aceleração ainda maior da epidemia de miopia.
De fato, um estudo preliminar realizado na China revelou um aumento importante da prevalência e progressão da miopia nos jovens no ano de 2020 em comparação aos anos anteriores, sobretudo em crianças mais novas, as quais encontram-se particularmente susceptíveis aos fatores de risco da miopia.
Diante desse cenário, sempre é relevante destacar a importância da atenção à saúde ocular e acompanhamento oftalmológico da população, bem como a necessidade de elaboração de estratégias educativas que estimulem a redução do tempo de exposição a dispositivos eletrônicos e o aumento de tempo ao ar livre em crianças e adolescentes.
Referências
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