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Maternidade Atípica: Capacitismo e a Luta por Inclusão

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 2 de abr. de 2023
  • 7 min de leitura


Por: Wellyngton Luiz

Entrevistada: Danielle Pádua (@_mae_subversiva), 32 anos, mulher negra e feminista. Mãe atípica, mãe da Alice e do Caetano de 6 meses.

Militante Anticapacitista.

Formada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) de Campos dos Goytacazes.


“Agradeço muito pelo espaço, é muito importante para a luta anticapacitista. Falarmos sobre o que é capacitismo, inclusão e acessibilidade em espaços como esse é um grande passo. Toda vez que recebo convites assim, faço questão de participar”.


Quem sou eu?

“Sou mãe da Alice, 11 anos, que nasceu com mielomeningocele, que é uma malformação do tubo neural, passou por vários procedimentos e ficou com algumas sequelas. A mielomeningocele pode deixar diversas sequelas que vai depender da altura da lesão, você pode ter pessoas que tem muita sensibilidade ou pouca sensibilidade nos membros inferiores, fazendo com que alguns consigam andar só com apoio e outros sem. No caso da Alice, precisa do apoio do andador ou da cadeira de rodas para andar.”

Precisamos falar sobre a Invisibilidade.

“Quero trazer uma visão que tenho com relação às pessoas com deficiência (PCD’s) estarem excluídas, a invisibilidade. Infelizmente, essa palavra está sempre junta quando falamos de pessoas com deficiência, quando falamos dessas pessoas, falamos também dessa invisibilidade, porque são pessoas que sofrem um processo de desumanização constantemente, se não temos um Estado que se compromete com essa questão, não temos políticas públicas voltadas para PCDs, não conseguimos evoluir com relação a luta anticapacitista. Desse modo, com a possibilidade de proporcionar mais acessibilidade e inclusão, nós temos cada vez mais pessoas com deficiência invisibilizadas.

De tal modo, se vamos ao parque, numa praça, numa praia, num shopping, se ando pela cidade e essas pessoas não estão tendo contato como quem deveria estar inserido socialmente e, além disso, não convivem com as pessoas com algum tipo de deficiência, como trazemos essa pessoa para a sociedade? Como discutimos capacitismo? Se elas não estão ali, elas não estão pertencentes. Se não têm os seus direitos atendidos, elas não estão pertencentes, como vamos fazer as crianças que não são PCD’s terem essa vivência, essa troca, esse respeito? Como vamos discutir o que não vemos, de fato, quando estivermos falando de sociedade?”


A responsabilização e culpabilização da mãe atípica

“Eu trago para o debate que devemos ter um Estado que se preocupe, a princípio, com isso, depois vem o papel da família com um peso muito grande nessa discussão. Uma observação que faço quando falo de família é com relação à reprodução do preconceito que vivemos, hoje, em uma sociedade estruturalmente capacitista. É importante essa reflexão do seguinte modo, quando você é a pessoa que não tem contato com ninguém que tenha alguma deficiência ou quando você se torna uma mãe, um tio, um pai, mas vamos dar mais

visibilidade para a mãe, já que é a mãe quem é mais responsabilizada pela condição dos filhos, as mães ficam com certo medo de enfrentar essa sociedade capacitista.

Nessa discussão, temos como protagonismo a figura materna, que já vem sendo sobrecarregada em uma gravidez típica, quando tem uma maternidade atípica, isso se acentua, por exemplo, quando a gente não consegue acessar a saúde, quando a gente não consegue acessar os direitos desse filho com algum tipo de deficiência.

Nós precisamos abordar também o adoecimento dessa mãe, que, por vezes, acaba sendo abandonada pelo pai da criança, quando você tem uma figura paterna ali, ele, por vezes, não se responsabiliza também, mais uma vez quando a gente tem a omissão do Estado em garantir o direito dessa pessoa, mais uma vez a gente sobrecarrega essa figura materna.

Na tentativa de culpabilizar as mães, sempre acham que as mães atípicas tentaram um aborto, ou que negligenciamos de alguma forma esse corpo que produziu, esse corpo, que essa mãe produziu, essa criança que acreditam que não é ‘normal’.

A própria questão da religião é uma problemática, já vi várias questões relacionadas, do tipo ‘você está pagando por algo’, a questão da ‘cura’, ‘para você se agarrar, para ter fé para ser curado’, é muito louco isso, porque você tem uma criança que tem a medula exposta, que passa por várias cirurgias e tem sequelas irreversíveis e outras reversíveis que podemos lutar para que melhore, mas vemos constantemente pessoas tentando dizer que é a consequência da condição dos nossos filhos é por ‘falta de fé’. Então, há essa questão que é bem pesada com construções preconceituosas que nos afetam.

Existe, acerca dessa temática também, uma romantização, costumo dizer que não gosto de ser chamada de mãe guerreira, ou mulher guerreira, porque assim, quem quer estar numa guerra?”


Uma experiência que nos faz refletir

“Eu tenho uma experiência em uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) com centenas de jovens e crianças sendo atendidas e você não vê essas crianças circulando pela cidade, elas têm ali dentro o atendimento médico, lazer e escola, você vê a vida todinha dela ali dentro, segregada.

E se nós pegássemos o que tem dentro dessa APAE e soltasse, seria o ideal. Recentemente, a Alice teve uma experiência bem bacana, que é a Colônia de Férias Terapêutica, nada mais é que os profissionais trabalhando essas crianças como se estivessem no dia dia, vão interagir, brincar e socializar com todo suporte necessário de acordo com a necessidade de cada indivíduo. As pessoas que estão envolvidas nessa Colônia Terapêutica são pessoas diversas, com algum tipo de deficiência ou não.

E se tivermos essa experiência inserida de uma maneira mais abrangente no nosso cotidiano? É o modelo de sociedade anticapacitista, inclusivo e acessível que queremos!

A gente percebe que parte da sociedade enxerga a pessoa com deficiência como uma pessoa que não tem saúde, parece que colocam isso como regra, uma espécie de rótulo, logo, tende-se a pensar em uma pessoa debilitada, mas não, essas pessoas podem e devem estar ocupando todos os tipos de lugares.

A experiência com a Colônia Terapêutica, é o que queremos na sociedade, por exemplo, que nas escolas tenham profissionais preparados para receber crianças de todos os tipos. Pessoas

com Deficiência devem estar interagindo socialmente com todos. Quando a gente fala da falta de inclusão, fica difícil não responsabilizar, primeiro, o Estado e, em segundo lugar, fazer uma reflexão relacionada à reprodução do preconceito através das pessoas mais próximas também, com a família, amigos... Os familiares acabam adquirindo medo de enfrentar uma sociedade que é muito capacitista e excludente e, como dito anteriormente, acabam reproduzindo o preconceito também.”


A educação tem se formado e produzido para quem?

“Assim, a gente tem um espaço acadêmico muito segregador, que ainda é muito difícil ser ocupado por mulheres que são mães, que já constituem uma família. E aí, se a gente pegar as mulheres com maternidade atípica, elas vão ocupar muito menos ainda esses espaços para poder produzir, para poder escrever sobre, quem vai escrever sobre? Mães atípicas pouco ocupam espaços importantes na sociedade, espaços de poder, acadêmicos por exemplo.

A questão de estar inserida em uma universidade pública sendo mãe atípica foi muito difícil. Acessar, permanecer estudando com demandas infinitas para cuidar de Alice foi muito difícil, mas vencemos com alguns apoios e muita ajuda. Definitivamente, o espaço acadêmico não acolhe Mães atípicas, a sociedade não acolhe.

Tenho planos de voltar, eu pretendo falar justamente sobre a maternidade atípica, quero ocupar esse espaço. Nós precisamos ocupar esse espaço para falar da gente, para fazer pesquisa, ciência...”


A luta anticapacitista

“A gente costuma dizer que o futuro precisa ser anticapacitista ou não será, ou ainda, será mais do mesmo, iremos permanecer com a mesma sociedade. Como colocado anteriormente, a sociedade é estruturada em cima do capacitismo, assim como em cima de vários outros tipos de preconceito. E o capacitismo nada mais é do que o preconceito voltado para pessoas com deficiência, infelizmente, ele está no nosso dia a dia, muito naturalizado e a luta anticapacitista ainda precisa ser muito visibilizada, pois a gente fala sobre racismo e LGBTfobia, gordofofobia, machismo e vários outros temas pertinentes, mas sempre esquecemos de falar do capacitismo, ou se fala muito pouco. Espero que cada vez mais essa luta seja aprofundada nos debates.”


Quando ocupar é necessário, mas debater é mais necessário ainda

“Recentemente, vi um vídeo de um menino tomando banho no mar e aí ele entrou na cadeira comum dele, no vídeo, ele leva um tombo e começa a rir, algumas crianças ao redor riram, eu fiz um comentário em uma página conhecida, e disse ‘que o futuro precisa ser anticapacitista e precisamos discutir acessibilidade e inclusão, porque seria muito mais seguro para esse menino, se ele tivesse com a cadeira adequada e as pessoa com deficiência não necessariamente estarão em ambientes hospitalares e elas têm o direito de ter acesso a cidade.’ A partir desse comentário na página, durante meses, eu fiquei sendo atacada por comentários super capacitistas, às vezes, eram mensagens de pessoas me atacando fazendo comentários maldosos e comentários que você percebe muita ignorância, que você vê que a pessoa não tem conhecimento quando o assunto é pessoa com deficiência, quando o assunto é inclusão e acessibilidade. Eu fiquei recebendo alguns comentários bem maldosos, e trazemos para reflexão, porque essas pessoas são tão ignorantes quando o assunto é esse?

Um dos comentários é bizarro ‘se você quer levar, compra a cadeira’, ou seja, acham um absurdo PcDs terem o direito ao lazer, por exemplo, e, assim, é super caro, é um dever do Estado sim promover acesso à cidade, praia também faz parte (risos). Outra coisa, produtos voltados para pessoas com deficiência são extremamentes caros, a maioria das famílias não vão ter acesso e aí a gente fala da questão, a gente precisa discutir capacitismo, temos que discutir inclusão de maneira mais profunda, precisamos falar sobre classe, gênero e raça, precisamos fazer esse recorte e, quando falamos sobre classe, essa pessoa com deficiência está em um caso de vulnerabilidade muito maior.

Faz um tempinho que levei a Alice em uma praia daqui do noroeste do Estado e a praia tem um projeto de inclusão, na qual tem uma cadeira que chamamos de cadeira anfíbia, que é uma cadeira que permite que a gente leve o cadeirante pela areia até o mar e é bem bacana, mas assim causa muito espanto, nós vemos pouquíssimas pessoas, pouquíssimos cadeirantes no mar, na praia. Eu já fiquei sabendo que recentemente surgiram alguns projetos em algumas praias do Brasil e isso é bem importante.

Que a gente cada vez mais veja pessoas com deficiência circulando com dignidade pelas cidades, que tenham acesso à saúde, educação de qualidade, lazer e tudo que todos e todas têm direito, afinal, são pessoas também.”

 
 
 

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