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LEI Nº 14.434 DE 4 DE AGOSTO DE 2022: Precisamos falar sobre isso!

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 29 de out. de 2022
  • 6 min de leitura

por Julia Rocco e Luiza Lino

 


Com certeza, provavelmente você deve ter visto alguma manchete a respeito dessa lei nas últimas semanas. Mas o que ela estabelece e qual a importância dela?


A Lei Nº 14.434, de 4 de agosto de 2022 altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 (que normatiza o exercício profissional da enfermagem), com o objetivo de instituir um novo piso salarial nacional para osenfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras.


O ato normativo, que entrou em vigor no momento de sua publicação, determina que o piso salarial dos enfermeiros contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sob o regime dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e aqueles dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de suas autarquias e fundações, passa a ser de R$ 4.750,00 mensais, em todo o território nacional. Para os técnicos de enfermagem, a Lei institui 70% desse valor (R$ 3.325,00) e, para os auxiliares de enfermagem e parteiras, 50% (R$ 2.375,00).


O Projeto de Lei inicial (PL 2564/2020) propunha um piso de R$ 7.315,00 mensais para enfermeiros e, para os demais profissionais, os mesmos percentuais de 70% e 50%, a partir desse valor. Isso significa que o texto aprovado representou uma perda de 35% no piso salarial, se comparado à reivindicação da categoria. Além disso, a lei foi sancionada com um veto presidencial para o artigo 15-D do PL 2564/2020, que previa a correção anual do piso salarial, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).


Um mês após a aprovação, no dia 4 de setembro de 2022, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, suspendeu de forma liminar (provisória) a aplicação da Lei. A decisão foi justificada pelo magistrado pelo risco de piora na prestação dos serviços de saúde, especialmente nos hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e foi dada em resposta a uma ação movida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde - entidade sindical que representa os estabelecimentos de serviços de saúde no país, como hospitais, clínicas, casas de saúde, laboratórios de análises clínicas, serviços de diagnóstico por imagem, fisioterapia, entre outros). Como andamento, foram solicitados pelo ministro maiores esclarecimentos acerca dos possíveis impactos financeiros, riscos de demissões e manutenção da qualidade dos serviços prestados. As entidades responsáveis (Governo Federal,estados, Distrito Federal e entidades do setor privado) têm o prazo de 60 dias para apresentar respostas.


Para entendermos um pouco melhor essa luta antiga e a sua importância no cenário da saúde pública brasileira, entrevistamos o professor do curso de enfermagem e orientador do projeto de extensão do Jornal “A Sístole”, Ítalo Rodolfo.

 


1. Há quanto tempo os profissionais de enfermagem se encontram na luta pela revisão do piso salarial?

“A enfermagem brasileira nunca teve um piso salarial. Há mais de três décadas, luta por um piso que traga um pouco mais de dignidade aos mais de 2,5 milhões de trabalhadores da categoria. Esse movimento ocorreu, em parte expressiva, articulando a necessidade de um piso salarial e uma jornada semanal de trabalho que permitissem condições mínimas para que os profissionais de enfermagem conseguissem trabalhar com segurança necessária para garantir uma assistência à saúde com qualidade. Antes de ter uma leisancionada, em 2022, pelo atual presidente da república, o mais próximo disto que a categoria conseguiu foi na gestão de Fernando Henrique Cardoso, que vetou o projeto de lei, à época.”

 

2. Qual o impacto dessa conquista para os profissionais?

“Percebam que os valores estabelecidos na lei não constituem supersalários, certo?! Porque estamos falando de recursos humanos qualificados para cuidar das pessoas, tanto na promoção, quanto na recuperação da saúde. Sendo assim, a conquista e manutenção de uma lei como esta, aos profissionais de enfermagem, representa, entre outras medidas, a garantia de que consigam realizar os seus papeis sociais com dignidade. Atualmente, os baixos salários na enfermagem, em especial para os técnicos e auxiliares de enfermagem que somam quase 2 milhões de profissionais, resultam naexpressiva sobrecarga de trabalho e desinteresse para a manutenção destes na profissão. Em muitas realidades, esses profissionais, com regime de trabalho de 36 horas semanais, recebem apenas um salário mínimo. Cabe destacar que mais de 80% da enfermagem é constituída por mulheres, com tripla jornada de trabalho, que para sobreviverem, buscam mais de um emprego. Portanto, a lei em questão reduzirá iniquidades sociais no âmbito do trabalho para que a categoria profissional da enfermagem consiga resistir aos desafios atuais e vindouros do setor saúde.”


3. Como você enxerga a justificativa concedida pelo STF para a suspensão do pagamento do novo piso salarial?

“A medida, da forma como ocorreu, foi unidirecional e favorável apenas aos interesses privados. Por não limitar o questionamento sobre as fontes de custeio, a medida pode influenciar a opinião pública quando também questiona sobre os eventuais impactos da lei para os serviços de saúde e para os profissionais de enfermagem. Ao realizar esses questionamentos, o ministro Barroso parece não considerar a realidade da saúde pública. É certo afirmar que melhorias na saúde pública não ocorrerão exclusivamente em decorrência de um piso salarial para a enfermagem, mas, também não podemos deixar de mencionar que esta é a categoria que constitui mais de 50% dos recursos humanos do setor de saúde. Assim, a vulnerabilidade desses profissionais reflete, em parte expressiva, a vulnerabilidade para o próprio SUS.

O Ministro sinaliza que a lei pode resultar em maior número de desempregos. Cumpre destacar que o Brasil já apresenta um déficit de recursos humanos no setor da saúde, o que inclui a enfermagem. Os baixos salários, associados aos riscos e à qualidade de vida prejudicada têm distanciado, cada vez mais, o interesse das pessoas na profissão, é o que aponta, inclusive, o Relatório do Estado da Enfermagem no Mundo (OMS, 2020). De acordo com a pesquisa, há um déficit de 5 milhões de enfermeiros no mundo; em 2030, esse número deverá dobrar. Portanto, a lógica de mercado, direcionada apenas ao lucro, não pode barganhar com a saúde em nenhuma nação sob viés constitucional. Por isso, a lei em questão consiste em uma política de Estado em benefício não apenas de uma profissão, mas de toda a sociedade que receberá os seus cuidados.

Sobre as fontes de custeio, faz-se necessária a compreensão de que a gestão da saúde pública deve considerar o investimento nos recursos humanos do SUS como condição interveniente ao desenvolvimento pleno dos serviços de saúde. Logo, o Congresso Nacional e o Senado, em articulação com o poder executivo, devem, entre tantas outras extravagâncias e prioridades, prever um orçamento que garanta condições para o direito à saúde das pessoas. Esse direito é influenciado, certamente, pelo investimento em recursos humanos, o que passa, agora, a considerar salários dignos para o exercício profissional da enfermagem. Recentemente, por exemplo, o Senado aprovou uma fonte de custeio para o pagamento do piso salarial da enfermagem proveniente de verbas remanescentes ao combate à pandemia da COVID-19, sem impacto fiscal de recursos que já estão nos estados e municípios.  Outro projeto de lei em tramitação para custear o piso da enfermagem está relacionado ao processo de repatriação de recursos internacionais. Em meu entendimento, podem existir algumas outras possibilidades de custeio; porém, para todas elas, é necessário que haja interesse político e visão ampliada de Estado, também.

As instituições privadas devem considerar que o investimento em melhores salários dos profissionais de enfermagem resulta em melhor atendimento aos pacientes. Depreende-se desse processo a redução de custos com a diminuição de iatrogenias do cuidado e o progresso na qualidade da assistência e na satisfação dos clientes, por exemplo.”

 

 

4. Quais perspectivas os profissionais de enfermagem têm para o futuro diante da incerteza dos próximos passos dessa luta, no contexto de um ano eleitoral?

“Em relação ao piso salarial, tudo ainda é muito incerto. Embora o Senado e o Congresso continuem, em parte, mobilizados em prol das questões levantadas pelo STF, em busca da garantia da lei aprovada por ambas as casas e sancionada pelo presidente da república, o processo ainda deverá se arrastar por meses. Entretanto, algo positivo já é notado por toda a categoria: o olhar amplo da sociedade. Antes, essa era uma discussão limitada aos fóruns da enfermagem; agora, alcança a sociedade em projeção jamais vista. Parte, em função da memória coletiva recente relacionada ao papel indispensável da enfermagem durante a pandemia da COVID-19; parte em função da luta histórica da própria profissão, que teve que aprender a melhorar a sua articulação política para que as lideranças posicionadas em espaços decisivos de tomada de decisão pudessem compreender a importância do piso salarial da enfermagem para o país.

É fato que a pauta tem sido, também, utilizada em benefício de campanha de alguns candidatos. Entretanto, é preciso considerar que toda luta envolve a necessidade de uma visão macropolítica que parte da micropolítica. No caso do piso salarial da enfermagem, penso que toda voz capaz de elevar a importância de reconhecimento dos mais de 2.5 milhões de trabalhadores, de maioria constituída por mulheres, importa bastante. Desde que ocorra, é claro, de forma ética e alcance a sociedade para que esta compreenda que sem investimento na enfermagem todos são afetados.”  



Referências:

Barroso suspende aplicação do piso salarial da enfermagem [Internet]. Poder360. Available from: https://www.poder360.com.br/justica/barroso-suspende-aplicacao-do-piso-salarial-da-enfermagem/

Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo - COREN [Internet]. Coren-SP. 2022 [cited 2022 Sep 15]. Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/noticias/conselhos-de-enfermagem-esclarecem-duvidas-sobre-o-piso-salarial/

Participe nesta quinta (23) da plenária sobre piso nacional da Enfermagem (PL 2564/20) [Internet]. SindSaúde Paraná. 2021 [cited 2022 Sep 15]. Available from: https://sindsaudepr.org.br/participe-nesta-quinta-23-da-plenaria-sobre-piso-nacional-da-enfermagem-pl-2564-20/

Sobre a CNSaúde – Confederação Nacional de Saúde [Internet]. [cited 2022 Sep 15]. Available from: http://cnsaude.org.br/sobre-a-cnsaude/

 
 
 

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