GEOLOGIA MÉDICA
- Jornal A Sístole
- 7 de abr. de 2022
- 3 min de leitura

Por Wallace Soares
O ambiente em que vivemos é uma rede complexa de interações entre diferentes geossistemas que influenciam a dinâmica da vida terrestre. O ar que respiramos, a água que bebemos e os nutrientes que consumimos dependem,essencialmente, do ambiente geológico no qual estamos inseridos. Nesse contexto, a Geologia Médica é a ciência que estuda a influência dos fatores geológicos na saúde humana, principalmente como as rochas e os eventos tectônicos afetam a distribuição dos recursos naturais e, consequentemente, a nossa saúde.
Na natureza, as rochas magmáticas, metamórficas e sedimentares são as principais fontes dos elementos químicos encontrados na crosta terrestre. Como esses tipos de rochas não são igualmente distribuídos pela superfície, uma vez que ocorrem de forma bastante heterogênea e com composições químicas variadas por múltiplos fatores geológicos, algumas regiões podem ser mais ou menos concentradas em determinados minerais. Em outras palavras, cada porção do planeta Terra possui um background geoquímico característico, ou seja, diferentes teores de elementos químicos no meio. Assim, independentemente da escala considerada – seja a nível continental ou até no quintal da sua casa – pode ser que um determinado elemento esteja em falta ou em excesso se comparado ao seu teor médio na crosta.
Geralmente, esses diferentes padrões de distribuição não interferem nas nossas vidas. Entretanto, elementos específicos podem estar em concentrações muito baixas ou elevadas e, dessa forma, passam a afetar a saúde humana, sobretudo se forem ingeridos - via água e alimentação - inalados ou absorvidos pela pele. Em geral, muitos desses minerais são micronutrientes essenciais para o funcionamento do metabolismo e a regulação das funções celulares, como ferro (Fe), cálcio (Ca), potássio (K) e sódio (Na). Por outro lado, há aqueles que causam intoxicação mesmo em pequenas quantidades, como os metais pesados arsênio (As) e mercúrio (Hg). Ainda, há também os elementos radioativos que podem provocar danos celulares permanentes pela emissão de partículas, tais como radônio (Rn) e urânio (U).
Para exemplificar, a inalação prolongada de poeiras em ambiente de trabalho - como a exposição crônica às partículas finas de sílica cristalina (SiO2) ou aos minerais fibrosos de amianto - leva ao desenvolvimento de pneumoconiose, uma doença respiratória grave que acarreta fibrose pulmonar.
Um segundo problema relacionado à geologia médica é a inalação de radônio, um gás invisível, insípido, inodoro e bastante tóxico que é responsável por cerca de 20.000 casos de morte ao ano por câncer de pulmão somente nos Estados Unidos. A principal fonte desse gás é o solo sobre o qual casas e edifícios são construídos, pois esse elemento é abundante em determinados tipos de rocha, como alguns granitos e xistos. Por ser menos denso que o ar atmosférico, o radônio proveniente do solo tende a migrar por fissuras, rachaduras, buracos e canos pelos imóveis, acumulando-se em ambientes fechados pouco arejados, onde se torna um contaminante invisível.
Além disso, outra situação bastante preocupante é a intoxicação por mercúrio, um potente agente neurotóxico. Na obra Alice no País das maravilhas, publicada em 1865 pelo escritor Lewis Carroll, o personagem chapeleiro louco é uma representação dessa condição, tendo sido inspirado em um provérbio inglês que diz ``louco como um chapeleiro`` (Crazy like a hater). Nessa época, durante a Era Vitoriana, alguns trabalhadores ingleses, como os chapeleiros, utilizavam colas a base de nitrato de mercúrio para a fabricação do feltro. Com isso, passavam a apresentar comportamentos excêntricos, tremores e fala confusa, sendo considerados malucos, justamente devido à intoxicação pelo mercúrio. Em todo o caso, seja na ficção ou na realidade, a intoxicação por esse elemento é um problema grave que demanda atenção e rápida intervenção médica.
Como visto, alguns elementos naturais são essenciais para a manutenção da nossa saúde, enquanto outros são altamente tóxicos. De maneira geral, o solo, as águas e até as plantas refletem a composição das rochas do substrato, cujos elementos exibem diferentes padrões de distribuição. A geologia médica, portanto, mostra-se como uma ciência interdisciplinar essencial para a compreensão do impacto dos processos geológicos na saúde humana.
REFERÊNCIAS:
● SILVA, C. R.; FIGUEIREDO, B. R. CAPITANI, E. M.;CUNHA, F. G. Geologia Médica no Brasil: efeitos dos materiais e fatores geológicos na saúde humana e meio ambiente. Rio de Janeiro: CPRM - Serviço Geológico do Brasil, 2006.
● PRESS, F.; SIEVER, R.; GROTZINGER, J.; JORDAN,T. H. Para entender a Terra. 4 ed. São Paulo: Artmed Bookman, 2006.
● NICKEL, R. C. Nas entrelinhas de Alice: o chapeleiro maluco, a rainha de copas e a menina Alice na Era Vitoriana. Orientadora: Maria Paula Seibel Brock. 2011, 41 f. TCC (Graduação em Letras) – Departamento de Linguística, Letras e Artes da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim, Rio Grande do Sul. 2011.
● RODRIGUES, A. S. L.; JÚNIOR, H. A. N. Valores de background geoquímico e suas implicações em estudos ambientais. Rev. Esc. Minas, v. 62, n. 2, 2009.
● BRASIL, Ministério da Saúde. Pneumoconioses. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.
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