EXPLORAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS
- Jornal A Sístole
- 28 de abr. de 2022
- 4 min de leitura

Por Caio Vinícius e Júlia Lourenço
As populações indígenas têm, de modo geral, uma relação muito intrínseca com a terra. Para muitas delas, o território em que vivem não é como nós, moradores urbanos, costumeiramente pensamos, uma vez que o terreno também é um instrumento de crenças, plantio, caça e usufruto cultivado ao longo de dezenas de gerações, de modo que a sua cultura encontra-se profundamente ligada ao lugar em que vivem.
Além disso, é necessário ter a dimensão de que o Brasil possui, segundo o último censo de 2010, mais de 897 mil indígenas. Essa população se distribui em 305 etnias e em pelo menos 680 processos demarcatórios, dentre os quais 443 tratam de áreas cujos processos de demarcação encontram-se homologados e 237 tratam de estudos, delimitações e declarações de áreas ainda não regularizadas e, consequentemente, não homologadas segundo a FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
Nesse aspecto, o desmatamento e o garimpo ilegal não consistem em “somente” retirar todos esses indígenas de seus locais de origem, mas também em aniquilar toda a bagagem cultural e riqueza histórica construída por séculos por esses povos e cuja proteção supostamente seria prevista pelos órgãos estatais.
A respeito do desmatamento das Terras Indígenas, segundo o ISA (Instituto Socioambiental), ainda há alto nível de ilegalidades e invasões locais, o que se traduz em mais de 18 milhões de árvores derrubadas e 2,5% do desmatamento total na Amazônia Legal. Conforme esse mesmo instituto, o salto do desmatamento de Terras Indígenas, comparando a média nos anos de 2016 a 2018 e 2019 a 2021, foi de 138%.
Em termos quantitativos, o PRODES - Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite - indica que houve uma redução no desmatamento em 18,6% em 2021, uma vez que este somente registra a supressão total da vegetação nativa. Em contrapartida, o ISA afirma que essa devastação aumentou no governo atual, pois se deve levar em conta que as Terras Indígenas sofrem invasões e degradações florestais constantemente, sobretudo devido aos roubos de madeira, garimpos ilegais e incêndios criminosos. Assim, o ISA pontua que 22.707 hectares foram devastados das Terras Indígenas em 2021, representando um aumento de 55% de degradação dessas terras nesse ano.
Para exemplificar, a Bacia do Xingu, situada no sudoeste do Pará, se estende por 53 milhões de hectares, abriga 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas, além de ser a principal barreira de proteção da Floresta Amazônica. Nesse local, existe uma riqueza de diversidade de povos e também de ecossistemas. Contudo, devido à vasta biodiversidade dessas terras, a região sofreu intenso desmatamento nos últimos anos em decorrência do processo de grilagem, no qual os invasores ganham espaço por meio de leilões de terras, vendas de lotes e doações ilegais.
Destaca-se, ainda, que em junho de 2021 foi noticiada a disputa por garimpo e mineração - existente desde a ditadura militar, mas intensificada cada vez mais - da Terra Indígena Yanomami, um grande território no coração da Amazônia. Essa terra ocupa um amplo território de cerca de 10 milhões de hectares, sendo que desses, 3,3 milhões foram requeridos para extração mineral, a maioria em busca de ouro. Com isso, os povos indígenas da área sofreram diversos ataques, e, devido à desproteção e a falta de medidas efetivas das autoridades, passaram a monitorar seu território por conta própria.
Com essa ação de garimpeiros, o ecossistema local é intensamente devastado, com leitos de rios destruídos e contaminados por óleo diesel, mercúrio e outros resíduos. Nota-se, então, que a devastação causada pela mineração ilegal cresceu 30% em 2020 e cresce cada vez mais, já somando mais de 2.430 hectares destruídos nessa reserva. Para o povo Yanomami, a mineração em sua terra causa, além de destruição natural, mortes e violência.
Destacamos, por fim, um projeto de lei sobre licenciamento ambiental (PL 2.159/2021), cujo objetivo consiste em liberar a mineração em terras indígenas, que entrou no radar do Congresso com a eclosão da Guerra entre Rússia e Ucrânia. A proposta de 2020 propõe regras para a mineração, exploração de hidrocarbonetos e a geração de energia em terras indígenas, além de abrir a possibilidade para que as aldeias explorem as terras em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo. Vale citar que a exploração mineral e hídrica nunca foi regulamentada, apesar de prevista na Constituição. O texto do projeto segue com uma série de condições que tentam conferir a essa proposta uma aparência menos hostil.
O problema desse projeto é que ele autoriza o encaminhamento do pedido, mesmo contra a vontade dos indígenas. De acordo com o texto: “o pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado”. Dessa forma, tal proposta é vista por muitos como uma regulamentação da exploração do Governo Federal sobre terras indígenas. Diante dessa situação, o artista Caetano Veloso convocou o “Ato Pela Terra”, realizado em 9 de março deste ano contra esse conjunto de medidas que ativistas e ambientalistas denominam de “Pacote da Destruição”. O protesto ocorreu com mais de 15 mil manifestantes, 230 organizações e coletivos da sociedade civil e, também, mais de 40 artistas. O “Ato Pela Terra” ainda protestava contra outro projeto que amplia o uso de agrotóxicos (PL 6.299/2002), sendo que ambos já foram aprovados pela câmara e aguardam aprovação do Senado.
Desse modo, evidencia-se que nos últimos anos as Terras Indígenas têm sofrido com a intervenção antrópica, sendo que os mais recentes acontecimentos, como a invasão das terras Yanomami e a PL (PL 2.159/2021), ilustram a violência sofrida por essas populações ao longo da história até os dias atuais.
Referências Bibliográficas:
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: população indígena é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas - São Paulo. Brasil, 2012. Acesso em 1 abril 2022.
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ENTENDA o que é o ato pela terra e o que os artistas pedem. Estado de Minas, Minas
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ATO pela Terra: a luta pela vida e contra o Pacote da Destruição ambiental continua. wwf.org, 10 de mar. de 2022. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/?81848/Ato-pela-Terra-a-luta-pela-vida-e-contra-o-Pacote-da-Destr uicao-ambiental-continua> . Acesso em 1 abril 2022.
SILVA, Tainá Aragão e Sandra. Desmatamento em Terras Indígenas cresceu 138% nos últimos três anos. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/desmatamento-em-terras-i ndigenas-cresceu-138-nos-ultimos-tres-anos. Acesso em: 22 mar. 2022.
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