Euphoria: a fisiologia por trás do vício em drogas
- Jornal A Sístole
- 15 de mar. de 2022
- 3 min de leitura

CONTÉM SPOILERS
Por Julia Rocco e Gabriella Berto
A série Euphoria, original do canal HBO, conta as histórias de adolescentes no ensino médio americano, com foco na personagem Rue, interpretada pela atriz Zendaya. Na trama, Rue é uma dependente química que, desde a morte de seu pai, faz uso de diversas drogas, como maconha, heroína e cocaína, além de fármacos opióides. A dependência química consiste em um transtorno mental caracterizado por um grupo de sinais e sintomas decorrentes do uso de drogas, sendodefinido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica, progressiva, que gera outras doenças e com potencial de óbito. Nesse sentido, ao longo de duas temporadas acompanhamos os altos e baixos de Rue, as relações com seus amigos e família, a busca pela recuperação ao se juntar ao grupo de Narcóticos Anônimos e as consequências que esse vício traz para sua vida.
De forma explícita, a série, que possui classificação +18, mostra imagens da personagem usando tais substâncias, bem como os confrontos interpessoais, algumas vezes físicos e violentos. De fato, na 1ª temporada, o aspecto visual da série chamou muito a atenção dos espectadores devido ao figurino e maquiagens exagerados e chamativos, o que levou ao debate de uma glamourização do uso de substâncias ilícitas e, com isso, a possível influência equivocada sobre os jovens. Dessa forma, na 2ª temporada, apesar de ainda manter o enredo dramático dos personagens, bem como o glitter, podemos ver com mais enfoque os danos que o vício causa à Rue. Principalmente no 5º episódio, é possível perceber os enormes malefícios físicos e emocionais causados pelo abuso de drogas e, por consequência, da abstinência de drogas, também mostrado no episódio 6.
Rue passa o 5º episódio fugindo de sua mãe que estádecidida a interná-la em uma clínica de reabilitação, deixando um rastro de destruição por onde passa. Após uma discussão violenta com sua mãe e irmã, marcada por agressividade e mudança de humor da personagem, ela deixa o carro em movimento e começa a fuga, que logo passa a ser acompanhada pela polícia. Durante todo o percurso, enquanto ela corre, é possível ver que a personagem sente muita dor abdominal, um sinal da abstinência. No 6º episódio vemos, de forma mais dramática, os sinais físicos que a falta do uso de drogas causa à Rue: comprometimento do sono, bocejos excessivos e vômitos são alguns dos sintomas que mostram a realidade por trás do quadro de abstinência.
Fisiologia por trás da série:
1) Outros sintomas de abstinência
- Delírios
- Irritabilidade e agressividade
- Alterações de apetite
- Problemas de memória
- Transtorno de ansiedade
- Disfunção psicomotora
2) Como funciona o vício em drogas?
A dependência química está relacionada a alterações cerebrais no equilíbrio fisiológico e psíquico, principalmente a partir do envolvimento do nosso “sistema de recompensa”próprio. Esse consiste em um mecanismo envolvido na promoção de prazer e euforia, bem como na busca por ações ou substâncias que possam promover tais sensações. Dessa forma, o sistema de recompensa é ativado depois de atividades como comer ou dormir, proporcionando prazer e aumentando a propensão a repetir a ação.
As drogas de abuso ativam esse sistema principalmente pelo aumento do neurotransmissor dopamina, causando uma assimilação cerebral do uso da substância como uma atividade positiva que deve ser repetida para gerar felicidade, determinando uma frequência e modo de uso. Enquanto as recompensas naturais, como aquelas obtidas com alimentos saborosos e o sexo, também estão ligadas à dopamina, mas com uma liberação autolimitada, as drogas psicoativas possuem mecanismos que bloqueiam a saciedade natural e mantêm picos elevados de dopamina até esgotar sua produção.
Com o passar do tempo, em termos simples, a repetição do uso torna os neurônios do sistema de recompensa cada vez mais insensíveis à ação da droga, caracterizando a tolerância. Este fenômeno reduz o grau de euforia experimentado no passado, aprofunda a apatia motivacional na vida diária e leva ao aumento progressivo das doses e às mortes por overdose. Além disso, a sensação de prazer, agora mais rápida e menos intensa, passa a ser seguida de uma fase disfórica, que se instala assim que o efeito da droga se dissipa. Dessa forma, o uso da droga passa a estar mais vinculado com o alívio do desconforto da abstinência do que com a busca do prazer em si.
Assim, apesar de a série apresentar diversos elementos visuais atrativos, como a caracterização dos personagens, é importante que não haja uma banalização ou até mesmo uma glamourização do uso e dependência de drogas, visto que, conforme demonstrado, as consequências são drásticas não somente para quem usa, mas para todos ao seu entorno.
Referências:
Crises de abstinência: como lidar com essa situação. Hospital Santa Monica, 2019. Disponível em: https://hospitalsantamonica.com.br/crises-de-abstinencia-como-lidar-com-essa-situacao/. Acesso em 21 de fevereiro de 2022.
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