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ENTREVISTA: OS IMPACTOS PSICOLÓGICOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NA POPULAÇÃO

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 25 de jul. de 2021
  • 4 min de leitura


Por Francília Garcia Paes Barreto


Com Bruno Rocha de Tolla

Médico Psiquiatra e Homeopata da RAPS - Rio de Janeiro (CAPS Torquato Neto e NAC do IMPP - Instituto Municipal Philippe Pinel) e Professor Substituto de Saúde Mental da Medicina UFRJ/Macaé.


Estudos apontam um impacto psicológico imediato na população em decorrência da pandemia, sendo observado um crescimento de sintomas de ansiedade e até mesmo de depressão. Os efeitos da pandemia vêm atingindo direta e indiretamente a saúde mental das pessoas nos mais diversos aspectos, o que implica uma condição preocupante de saúde pública.


1 – O artigo: “COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado” (1) trata dos impactos causados por crises, como a pandemia da COVID-19, em uma sociedade. Com sua experiência diária no atendimento à população, como os pacientes têm lidado com toda essa situação? Os transtornos psiquiátricos aumentaram desde o início da pandemia?

Nesta crise temos observado uma diversidade sem fim nos modos de lidar com a pandemia. Temos uma população brasileira que é herdeira de altas desigualdades sociais e que impactam de diferentes modos tendendo à elevação de tensão e estresse para toda a população. Dentre eles, enumeramos a própria morbi-mortalidade da infecção pela COVID-19 e alta preocupação em não se contaminar; a quarentena e isolamento social necessários; o aumento nos conflitos domésticos; o excesso de trabalho, principalmente para algumas categorias de trabalhadores; o processo de luto familiar e coletivo com a perda de entes queridos; as mudanças nas relações sociais incluindo as atividades educacionais, de trabalho remoto, cultura e lazer; assim com o uso e abuso de medicações sem acompanhamento médico e de álcool, tabaco e outras substâncias, lícitas ou ilícitas. Neste cenário, diversos estudos têm demonstrado um incremento de cerca de 50% nos transtornos mentais na população desde o início da pandemia de COVID-19. Diferentes medidas têm sido buscadas pela população. Recomendamos àquelas que recorram ao apoio em rede familiar ou social, incluindo a busca por dispositivos de saúde que possam auxiliar no cuidado e prevenção aos agentes estressores e adoecedores da pandemia. Lembrando do uso regular da máscara em meios sociais, a higiene frequente das mãos e vacinação em massa.


2 – Como consequência da crise estabelecida pela pandemia temos um número alarmante de pessoas fazendo uso de medicações sem prescrição médica. Segundo o Conselho Federal de Farmácias, quase 100 milhões de caixas de medicamentos controlados (antidepressivos e controladores de humor) foram vendidos em todo o ano de 2020 - um salto de 17% na comparação com os 12 meses anteriores. Do seu ponto de vista, qual será a repercussão disso a curto e longo prazo?

Inicialmente precisamos lembrar da importância do uso da medicação quando bem avaliada e indicada pelo médico no tratamento ao sujeito que sofre com um transtorno mental, e, lembramos ainda, que a venda de medicação controlada sem receita é crime. Com estas considerações feitas, percebemos que este acréscimo nas vendas de medicações, de acordo com o Conselho Federal de Farmácia, deve provavelmente impactar mais à frente num "gargalo" da assistência aos tratamentos de forma adequada, demandando mais assistência da rede SUS. Com frequência, as medicações são iniciadas e depois descontinuadas de forma inadequada pelo próprio paciente ou sem uma manutenção pelo tempo indicado nos protocolos clínicos, podendo gerar recaídas das crises ou efeitos pela retirada abrupta da medicação psicotrópica controlada. E nos casos de venda ilegal, sem controle como previsto pela ANVISA, além dos riscos já citados, apresentam o alto risco de abuso e, em alguns tipos de medicação, dependência da substância, também impactando na qualidade de vida e saúde mental da população, assim como nos serviços de assistência do SUS.


3 – Muitos pacientes abandonaram os tratamentos de doenças crônicas como câncer, doenças cardíacas e respiratórias. Esse abandono também ocorreu por parte dos pacientes psiquiátricos? Se sim, quais consequências da interrupção ou falta de acompanhamento do tratamento?

Na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), assim como nos ambulatórios de saúde mental e psiquiatria, temos observado, desde o início da pandemia que, se por um lado houve um aumento na demanda pelos serviços, por outro, principalmente nos casos de ansiedade e depressão em pessoas com comorbidades clínicas com maior risco de mortalidade ou pessoas com intenso medo de contaminação pelo COVID-19, houve abandono ou ausência nos tratamentos em curso. A partir disso, precisamos nos reinventar, ou melhor, usar recursos pouco explorados, mas já previstos (ver Guia de Matricimento em Saúde Mental do Ministério da Saúde de 2011), como o atendimento remoto por telefone ou ainda as já difundidas visitas domiciliares para evitar a exposição do usuário vulnerável e garantir a continuidade do tratamento. Como consequências do abandono do tratamento temos, com frequência, agravos do adoecimento psíquico e que impacta também no descontrole e agravo das condições clínicas médicas em geral, levando ao mal prognóstico e aumento nas demandas de emergência.


4 - Sabemos da importância do SUS para a promoção da saúde da população do nosso país, ainda mais neste contexto de pandemia. Vemos na prática a necessidade de realização de melhorias em toda rede de atendimento existente. A rede SUS atualmente consegue suprir a demanda da população psiquiátrica? Com o crescente número de casos de doenças mentais, qual sua perspectiva futura?

Chamemos de demanda de Saúde Mental da população em geral o que inclui também o usuário com transtorno mental ou psiquiátrico, ainda, infelizmente, socialmente muito estigmatizado. Temos uma rede de saúde que cresceu nas últimas décadas e deverá continuar em expansão haja vista a necessidade ampliada da população. Neste sentido, a capilarização da rede SUS deve se dar na expansão das Estratégias de Saúde da Família (ESF) contando com a retaguarda da expansão da RAPS próximas às realidades e demandas de cada território e sua população. Para tal, precisamos de vontade política e financiamento como Políticas de Estado garantindo um SUS que possa absorver e cuidar das demandas de saúde da população nos diferentes níveis hierárquicos, da prevenção à reabilitação, com continuidade e integralidade no cuidado ao sujeito em sofrimento físico e psíquico. E para finalizar, gostaria de convidar os leitores a conhecerem, estudarem, praticarem e indicarem também as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) do SUS, muito úteis a toda população, principalmente neste momento de pandemia. Temos nada menos que 29 PICS oferecidas que podem e devem compor o cuidado em saúde mental da população brasileira.




Referência bibliográfica:

1- Faro, André et al. COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estudos de Psicologia (Campinas) [online]. 2020, v. 37 [Acessado 20 Julho 2021] , e200074. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200074>. Epub 01 Jun 2020. ISSN 1982-0275. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200074.

 
 
 

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