ENTREVISTA COM THIAGO MAMEDE, MÉDICO INFECTOLOGISTA E MESTRE EM MEDICINA
- Jornal A Sístole
- 22 de abr. de 2020
- 5 min de leitura
Por Izabel Feitosa e Raquel Coelho
Durante a atual pandemia do coronavírus, uma carga imensa de informações é propagada diariamente por meio das mídias televisivas, internet, redes sociais e grupos de whatsapp. No entanto, ainda há uma circulação grande de conteúdos falsos e, nesse sentido, em uma entrevista com o médico infectologista Thiago Mamede, alguns pontos relevantes sobre o vírus são esclarecidos:
O que é coronavírus? TM: “É um vírus de RNA, envelopado, coberto por glicoproteínas (espículas) de diferentes tipos e tamanhos, assemelhando-se a uma coroa. Daí o nome ‘corona’. Pode infectar humanos, mas sua maior importância, até então, costumava ser no campo da medicina veterinária (...). Quanto ao novo coronavírus, o SARS-CoV-2, responsável pela pandemia COVID-19, pouco se sabe sobre sua origem. Por análise filogenética do vírus, há evidência de que ele tenha se diferenciado do SARS-CoV, nos morcegos, e acredita-se que sua introdução na população humana tenha sido intermediada por algum dos animais que transitam pelo mercado de Wuhan, na China.”
Como se dá a transmissão? TM: “Baseados na experiência com outros sorotipos de coronavírus, a forma de transmissão mais aceita é por contato com gotículas de saliva e secreções respiratórias das pessoas infectadas com a mucosa de pessoas suscetíveis. As gotículas das pessoas infectadas contaminam as superfícies e objetos do ambiente, e o vírus se espalha por contato das mãos com as superfícies e objetos contaminados. Porém, quando ao SARS-CoV-2, responsável pela COVID-19, a dinâmica de transmissão não foi completamente esclarecida, e cogita-se também a possibilidade de transmissão por aerossóis.”
Quais são os sintomas? TM: “Quanto aos sintomas, os coronavírus possuem tropismos diferentes, a depender do sorotipo, podendo produzir quadros de resfriado comum à pneumonia. (...) Sabemos que 80 a 85% dos pacientes apresentam sintomas brandos, como um resfriado comum, e não precisam de hospitalização. Nos pacientes que são hospitalizados, as manifestações clínicas mais frequentemente relatadas no início da doença são febre (77-98%), tosse (46% -82%), mialgia ou fadiga (11-52%) e falta de ar (3-31%), mas há relatos menos frequentes de cefaleia, diarreia e outros sintomas gastrointestinais, conforme levantamento realizado pelo CDC.”
Temos observado uma intensa mobilização da mídia e da sociedade em geral em torno do assunto, levando pessoas a adotarem medidas drásticas por conta de uma preocupação excessiva. Mas, ao mesmo tempo, aquelas que têm subestimado o vírus, comparando-o a um resfriado comum. A respeito disso, Dr. Mamede comenta:
TM: “Trata-se de um momento bastante delicado para manifestação de opinião, que tende a ser volátil e modificar conforme a história da epidemia vai sendo construída. Por outro lado, gostaria de responder com fatos e dados, para que os leitores tenham capacidade de formar suas próprias opiniões:
Até onde sabemos, 80 a 85% das pessoas infectadas vão apresentar quadros leves e não necessitam ser hospitalizadas, contudo, o número de casos confirmados em todo mundo já passou a marca de 200 mil, que significa que mais de 30 mil pessoas já foram hospitalizadas. Além disso, com uma letalidade de cerca de 4%, o número de mortos por COVID-19 ultrapassa a marca de 8700 pessoas.
Embora a China já esteja identificando uma queda no número de casos novos, o restante do mundo vem experimentando um crescimento exponencial. Entre os dias 16 e 17 de março foram quase 23 mil casos novos num período de 24 horas, contra 17 mil casos entre os dias 15 e 16 de março, o que representa um incremento na incidência correspondente a quase 6 mil casos. Não obstante, sabemos que as vítimas fatais e casos mais graves são pacientes acima de 60 anos e aqueles como comorbidades, especialmente doença cardíaca, diabete, doença respiratória, hipertensão arterial e imunossuprimidos. Nos pacientes com 80 anos ou mais, 15% não sobrevive à COVID-19. Profissionais de saúde têm sido bastante afetados pela COVID-19, por estarem mais frequentemente expostos às pessoas infectadas e por realizarem procedimentos durante o exame clínico que os expõe a uma maior carga viral.”
No que tange às ações práticas que podemos realizar em prol de uma maior promoção e proteção à saúde, o professor ressalta: TM: “(...) as recomendações do ministério da saúde e OMS são: higiene frequente das mãos com sabão e água corrente por 20 segundos (quando não houver água corrente disponível, pode-se usar álcool gel 70%); cobrir nariz e boca ao tossir ou espirrar (com lenço descartável ou na dobra do cotovelo); não envolver-se em aglomerações de pessoas; manter o ambiente bem ventilado e arejado; não compartilhar objetos pessoais; evitar tocar olhos, nariz ou boca quando as mãos não estiverem higienizadas; limpar e desinfectar os objetos e superfícies tocados com frequência; manter distância superior a 1,5 metros entre outras pessoas e evitar contato com pessoas que estejam doentes ou hospitalizadas.”
Dr. Thiago Mamede ressalta, ainda: TM: “Pessoas com sintomas respiratórios que porventura necessitem comparecer a uma unidade de saúde devem cobrir o nariz e a boca com uma máscara durante o deslocamento e permanência na unidade (...) Profissionais de saúde, dentro das unidades hospitalares, devem seguir os protocolos de precaução de transmissão por gotículas durante o contato com pacientes suspeitos ou confirmados, e seguir as recomendações específicas dos diretores das respectivas unidades.”
Quando questionado acerca da possibilidade de uma vacina ou medicamento para o combate do vírus, o médico infectologista destaca que: TM: “Existem vacinas e medicamentos ainda em fase de estudo, entretanto, ainda não há comprovação científica que garanta eficácia e segurança clínica para indicá-los na prática clínica. Muitos dos estudos com medicamentos foram realizados com outros sorotipos de coronavírus como SARS-CoV e MERS-CoV. (...) Esses estudos, até o momento, só justificam o uso compassivo desses medicamentos, naqueles casos muito graves, quando não há mais alternativa para intervir (...)”
Em relação as estratégias de enfrentamento que o Ministério da Saúde têm adotado para conter a epidemia, o infectologista esclarece que: TM: “É necessário quebrar a cadeia epidemiológica, que constitui uma corrente com apenas 3 elos: fonte de infecção - via de transmissão - hospedeiro suscetível. (...) Quase todas as medidas que estão sendo implementadas até o momento, incluindo o isolamento social que estamos fazendo, só vão atuar no elo da via de transmissão. Estas medidas visam retardar o pico da epidemia, para que um grande número de casos em um curto período de tempo não sobrecarregue os serviços de saúde, como ocorreu na Itália.”
Por fim, Dr. Mamede compartilha uma mensagem a toda a população: TM: “Respeite as medidas e orientações das autoridades sanitárias, mesmo que não concorde com a estratégia, pois elas só teriam alguma chance de funcionar se todos aderirem. O pânico pode ser mais prejudicial à sociedade do que a própria doença, portanto, não faça estoque de máscara, álcool gel, medicamentos ou mantimentos. É improvável que você precise utilizar o que estocou e o desabastecimento pode prejudicar as pessoas que realmente precisam, dificultando o controle da epidemia. As máscaras não tem eficácia para prevenir a infecção e devem ser usadas apenas no deslocamento de casos suspeitos e por profissionais de saúde, dentro de um protocolo de precaução por gotícula. O álcool gel deve ser usado somente quando houver necessidade de descontaminação imediata, sem sabonete e água corrente disponíveis. Em meu consultório, por exemplo, um frasco de 400 ml de álcool gel rende até 2 meses; é provável que em sua casa a duração seja ainda maior.”
Os membros do Jornal A Sístole desejam que as informações desta entrevista e de outros materiais, por nós divulgados, possam auxiliar nossos leitores na prevenção e no combate ao vírus, a partir do conhecimento atualizado e pertinente sobre o assunto.
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