ENTREVISTA: A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA VISÃO DE ALEK OLIVEIRA
- Jornal A Sístole
- 26 de abr. de 2020
- 6 min de leitura
O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE AS PESQUISAS QUE ACONTECEM NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS?
Com Alek Oliveira
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Campus Macaé
Por Karine Corrêa e Ramila Tostes
Diante do atual cenário em que as pesquisas científicas ganham destaque nas mídias, observa-se que boa parte da população brasileira desconhece e, consequentemente, não valoriza tais pesquisas. Tendo isso em mente, o Jornal A Sístole convidou a professora Alek Oliveira, Bióloga, Parasitologista e Doutora em Ciências para falar sobre a temática.
1- Tradicionalmente, na cultura brasileira, tratamentos caseiros são empregados no combate às doenças, sendo que, atualmente, há especulações sobre fármacos e chás milagrosos que supostamente prometem a cura da COVID-19. Desse modo, como você percebe essa realidade e a correlaciona com o contexto da Universidade Pública?
Na minha área de atuação científica, parasitologia, a cultura popular tem grande protagonismo, se pensarmos na utilização de Licor de Cacau Xavier (o original), semente de abóbora, quinino, artemisina, além da relevância em outras áreas. Sabemos que a descoberta de muitas substâncias naturais terapeuticamente úteis ocorria ao acaso e que, posteriormente, chegava-se a comprovação científica. Fora isso, existe uma questão ligada aos povos que iniciaram a construção da nossa cultura; escravos africanos e indígenas tinham a tradição de tratamento com base em chás, banhos. Fazendo um paralelo com a atual pandemia, as receitas caseiras se repetem, “sempre temos um santo remédio”, infelizmente muitas vezes isso acarreta riscos. É sempre bom lembrar a possibilidade do uso inadequado de plantas ou uma parte das mesmas, que podem desencadear sintomas de intoxicação e outros. Segundo, a falsa sensação de que está tudo resolvido: “se eu me infectar eu tenho a possibilidade de me curar com o chá.” Nesse segundo caso, além da falsa esperança, existe a possibilidade das pessoas se tornarem mais negligentes e abandonarem as medidas preventivas e demais orientações preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O que sempre observo é que o que motiva as pessoas seguirem uma recomendação é o medo do risco iminente de morte. Se existe algo que diminua tal risco ou promova a melhora, acaba sendo o suficiente para permanência de velhos hábitos. A relação com os fármacos que prometem a cura caminha em sentido parecido. Essa é a primeira pandemia vivida pela maioria da população viva no mundo e o que assusta a população, comunidade científica e governantes é o fato do Sars-CoV-2 apresentar um mecanismo de transmissão simples que favorece a disseminação, possuir fisiopatogenia até então desconhecida, sem tratamento, sem vacina e com capacidade de elevar a taxa de mortalidade em pessoas portadoras de comorbidade, mas também matando pessoas aparentemente sem morbidades pré-existentes. Com isso, tem-se uma corrida para achar, dentre os medicamentos existentes, qual poderia atuar numa melhora do estado geral dos indivíduos infectados, essencialmente em quadros graves. Mas voltando ao papel das Universidades, observamos vários braços de atuação, promovendo ações dentro da expertise de cada grupo de pesquisa e extensão que fortalecem a prevenção e promoção de saúde física e mental da população. Desde o mais básico, porque quando vemos um desenho de uma partícula viral na televisão, sabemos que é uma representação esquemática fora da escala real, mas e aquela pessoa que não tem conhecimento para tal assunto? Será que o leigo no assunto sabe o que é achatar a curva, “entrar em lockdown”, que Plasmodium não é um vírus, que não é necessário um sabonete especial, a diferença nas concentrações do álcool e por que isso é importante na higienização, que a relação da alimentação adequada é com imunidade e não com a morte do vírus, por que é necessário cuidar da saúde mental, como sabemos que daqui a 15 dias teremos x infectados? São várias as perguntas que podem aproximar a Universidade da população e promover melhoria dos nossos índices. Temos grupos de diferentes áreas do conhecimento atuando e elaborando material de fácil leitura para leigos nesse assunto. Há a vantagem de que as informações podem ser passadas por rede social e/ou acontecerem em ambiente virtual, uma vez que a população, em geral, utiliza smartphone e redes sociais. O problema é que, a cada um conteúdo de fonte confiável, surgem 10 fake news sobre variações de chá que matam coronavírus, por exemplo. Além disso, temos muitas pessoas se voluntariando em laboratórios de diagnóstico, auxiliando na coleta de material, contribuindo na produção de álcool 70% líquido e gel, máscaras, trabalhando em rede com outras Universidades e Centros de Pesquisa para aumentar o número de testes, em ensaios com medicamentos, desenvolvimento de vacinas, etc. Contudo, a realidade me parece bem complexa, pois percebo que ainda temos uma linguagem pouco acessível, muitas vezes técnica e que nem sempre aproxima a população. Já melhoramos bastante com as ações extensionistas e com divulgação científica, mas ainda precisamos alcançar outras pessoas, não só nesse momento, porque a Universidade sempre esteve aqui e continuará viva.
2- A importância das pesquisas científicas, desenvolvidas pelas universidades e demais instituições públicas, é debatida há algum tempo. Há quem defenda sua importância, mas há quem questione a necessidade de investimento do dinheiro público nessa área. Como pesquisadora de uma universidade pública e, em meio à realidade de pandemia, como, em sua percepção, a sociedade se beneficia das pesquisas científicas desenvolvidas nas instituições públicas?
Chegamos ao ponto que considero crucial. Estamos em um momento que servirá para mostrar o papel que Universidades, Institutos Federais, Centros de Pesquisas e obviamente o SUS ocupam na sociedade. Falando pelas Universidades, onde eu tenho maior conhecimento, nos reinventamos com o pouco que temos. Grande parte das ações que têm sido realizadas sejam em produção de insumos, diagnóstico, estudo de medicamentos, desenvolvimento de vacinas, entendimento da fisiopatogenia, em sua maioria estão acontecendo com verba que os pesquisadores possuem para outras linhas de pesquisa, mas a COVID-19 se tornou prioridade. As verbas para pesquisa estão cada vez mais escassas. Imagina se todos os laboratórios e grupos de pesquisa envolvidos nas ações para enfrentamento da pandemia tivessem verba? Acho que a situação atual tem tudo para ajudar na mudança de pensamento da sociedade, inclusive no ambiente acadêmico. Toda a população é beneficiada com a produção científica, tecnológica, ações extensionistas e ensino desenvolvido pelas Universidades. O que falta então para termos um maior apoio da nossa população? Aproximarmos cada vez mais daquele que não se identifica com o que ocorre nas Universidades, porque talvez pecamos na forma de mostrar para população a relevância do que fazemos. O caminho é nos aproximarmos mais da população, chegar até pessoas que ainda não chegamos e dialogar com quem ainda não dialogamos. Não como salvadores, detentores de todo conhecimento, porque isso talvez mais afaste que aproxime.
3- Com a medida de isolamento social para o combate à disseminação do coronavírus, muitas atividades foram interrompidas, não sendo diferente nas universidades. Por outro lado, espera-se que o conhecimento científico atualizado, que estabelece relação direta ou indireta com a pandemia, seja uma realidade para o melhor enfrentamento desse problema. Portanto, conte-nos como as pesquisas continuam sendo desenvolvidas nas Universidades Públicas?
As Universidades constituem ambiente bastante plural, acredito que grande parte das pessoas que estejam trabalhando de forma presencial nos laboratórios de ensino e pesquisa seja em virtude do enfrentamento da pandemia. Existem muitas pessoas trabalhando de forma remota, em outras ações também importantes, mas que não necessitam de trabalho presencial, criando protocolos, material para esclarecer a população, combatendo fakenews, distribuindo comida, roupa, produzindo e distribuindo máscaras de pano, água, sabonete para pessoas em situação de vulnerabilidade. Há quem se voluntaria e abre seus laboratórios mesmo que seja para ceder equipamentos, ou disponibilizar água destilada para produção de álcool 70%, o mesmo acontece com os estudantes de graduação e pós-graduação que estão se voluntariando em diversas ações. Outros grupos suspenderam todas as atividades presenciais para garantir a não exposição da equipe. No Campus Macaé, por exemplo, boa parte dos estudantes são de outras cidades, como sugerir que o estudante permaneça em Macaé e enfrente esse período sozinho, muitas vezes em condições menos confortáveis que junto de sua família? No momento, para aqueles que não estão atuando de forma direta e que exista possibilidade de parar os experimentos, melhor investir esse tempo precioso em outras atividades que possam ser realizadas em casa: um hobby, ler, estudar, reafirmar os vínculos com familiares. Em termos de avanço nos projetos, isso pode ter um custo, mas como achar que isso é mais importante no momento? Agora, o mais importante é seguir todo referencial teórico-científico que tem norteado as ações da OMS, que é o que tem servido de base para governantes e aqueles que não estejam contribuindo de forma direta permaneçam em segurança, se acordado com seus orientadores.
A equipe do Jornal A Sístole agradece à professora Alek pelo sua disponibilidade e confiança nosso trabalho.
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