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Conspiração do Silêncio: quem se beneficia?

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 26 de mai. de 2022
  • 4 min de leitura


Por Karine M Corrêa e Orlando D. Canichio


A conspiração do silêncio pode ser definida como a omissão ou a distorção de informações ao doente, envolvendo familiares, amigos e profissionais. Na prática, isso implica uma comunicação limitada e, por vezes, confusacom o paciente, que não tem acesso a todas as informações relevantes sobre a sua doença, o seu tratamento e/ou a gravidade da sua condição. Como consequência, o que se observa é uma perda de autonomia, com decisões importantes ficando a cargo de terceiros.

Contudo, é necessário não confundir essas práticas com situações - principalmente associadas a doenças graves e de mau prognóstico - em que o paciente escolhe não saber mais sobre a sua condição de saúde. Essa negação, parte do processo de sofrimento e de luto, não é o mesmo que a conspiração do silêncio; observe que a questão chave é a autonomia do paciente, que perde completamente o poder de decisão quando é envolvido na conspiração do silêncio.


Esse debate ganha relevância quando admitimos que vivenciar uma doença grave e o processo de fim de vida é algo difícil, mas a comunicação é um caminho para amenizar o sofrimento. Muitas vezes, familiares e amigos acreditam que omitir informações sobre a gravidade do quadro é uma forma de minimizar a aflição do doente, o que não necessariamente acontece. Pelo contrário, o paciente pode se sentir enganado e incompreendido, o que pode gerar raiva, além de sintomas ansiosos e depressivos.


Outro ponto a ser considerado é que muitas vezes o doente entende que algo está ocorrendo e, por não ser incluído abertamente no diálogo sobre a sua saúde, o processo acaba se tornando mais solitário. Além disso, diante de um prognóstico ruim, os pacientes tendem a rever suas prioridades na vida, pendências que gostaria de resolver, experiências que gostaria de viver, dentre outras questões; apossibilidade de fazer essas escolhas deixa de existir a partir do momento que o doente não sabe do seu diagnóstico. Com isso, o fim da vida tende a ser mais doloroso tanto para ele quanto para os seus familiares.


A fim de evitar o silêncio potencialmente danoso, é preciso compreender que, por meio do diálogo, abrimos espaço para o paciente e seus familiares expressarem seus sentimentos, suas dúvidas e seus medos, permitindo a construção de uma boa morte. Assim, ao lidar com entes queridos é preciso orientar que a recusa de conspirar em silêncio visa oferecer ao paciente a possibilidade de escolha para que ele tenha uma boa qualidade de vida nesse momento tão complexo. Desse modo, um embate entre profissionais de saúde e familiares deve ser evitado e a temática precisa ser abordada de modo que o outro entenda que ocultar uma informação tão importante produz mais malefícios que benefícios. Além disso, é preciso reconhecer que uma família que opta pela omissão apresenta limitações emocionais e também precisa ser alvo do cuidado.


Inevitavelmente, essas questões se mesclam à legalidade e à moralidade, tendo em vista que a relação médico-paciente possui uma complexidade descomunal, na medida que não se deve haver um tratamento impessoal e insensível, porém sem confundir o papel do profissional no processo de atendimento e tratamento do paciente. Nesse sentido, principalmente na área de cuidados paliativos, muitas vezes o médico se depara com situações de diagnóstico.


Presente no Código de Ética Médica (2010), o artigo 34 traz a ilicitude, por parte do médico, na ação de “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento…”, sujeita à penalização prevista na Constituição. Essa ferramenta é uma das principais blindagens do paciente no que tange a decisões contestáveis desses profissionais, já que não podem escolher pelo indivíduo sem ele sequer tomar ciência da situação, a qual pode ter consequências negativas. Embora possa não haver um ato de má fé por parte do médico, o paciente deve ter a sua autonomia preservada, cabendo a ele próprio optar por ser pouco ou nem informado sobre seu tratamento e quadro clínico.


Em suma, é preciso compreender que a melhor forma de vivenciar uma doença envolve uma boa relação e comunicação entre paciente, familiares e profissionais. O processo de adoecimento e fim de vida por si só é doloroso, especialmente se vivenciado sem o devido apoio. Portanto, criar uma boa relação profissional-paciente-família exige empenho e, principalmente, diálogo.

REFERÊNCIAS

1. MACHADO, Juliana Costa et al . O fenômeno da conspiração do silêncio em pacientes em cuidados paliativos: uma revisão integrativa. Enfermería Actual de Costa Rica, San José , n. 36, p. 92-103, June 2019 . Available from

<http://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409-45682 019000100092&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Apr. 2022. http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i36.34235.

2. Abreu, Carolina Becker Bueno de e Fortes, Paulo Antonio de CarvalhoQuestões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos. Revista Bioética [online]. 2014, v. 22, n. 2 [Acessado 4 Abril 2022] , pp. 299-308. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1983-80422014222011>. Epub 19 Ago 2014. ISSN 1983-8034. https://doi.org/10.1590/1983-80422014222011.

3. Pazinatto, Márcia MariaA relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016. Revista Bioética [online]. 2019, v. 27, n. 2 [Acessado 4 Abril 2022] , pp. 234-243. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1983-80422019272305>. Epub 01 Jul 2019. ISSN 1983-8034. https://doi.org/10.1590/1983-80422019272305.

4. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/48226289#:~:text=de%20faz%C3%AA%2Dlo.-,Art.,Art.

 
 
 

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