Como dar assistência à pessoa adulta vítima de violência sexual na emergência?
- Jornal A Sístole
- 9 de mar. de 2023
- 3 min de leitura

Por Luiza Rangel
Acolhimento, respeito e prevenção. A violência sexual é a apropriação e violação do corpo e da vida de uma outra pessoa e, diante da sua dimensão, é um tema que mexe com o íntimo do ser humano, sendo difícil de ser discutido e cuidado. De forma técnica, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua essa forma de violência como “qualquer ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou outro ato dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coerção. Compreende o estupro, definido como a penetração mediante coerção física ou de outra índole, da vulva ou ânus com um pênis, outra parte do corpo ou objeto”.
A violência sexual repercurte na saúde física, com o risco de contaminação por infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez indesejada e traumas físicos, além de sofrimento e dano à saúde mental da pessoa.
Nesse sentido, o cuidado da vítima de violência sexual deve ser olhado com a gentileza e a seriedade que o tema exige. Para tornar esse cuidado mais objetivo e eficiente, o Ministério da Saúde publicou em 2015 a Norma Técnica de Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registros de Informações e Coleta de Vestígios que propõe que o atendimento à vítima de violência sexual deve ser realizado por uma equipe interdisciplinar, com a compreensão do sigilo, privacidade e acolhimento da vítima.
ACOLHIMENTO:
A pessoa deve ser atendida em um local que garanta privacidade e acolhimento de forma humanizada, sem preconceitos e juízos de valor. A história deve ser registrada com atenção ao número de agressores envolvidos, possíveis objetos utilizados e as diferentes formas de agressão. Os exames físico e ginecológico devem ser feitos apenas com consentimento da vítima, atentando-se para informar cada etapa do exame e os locais a serem tocados. A coleta de material biológico é importante para a identificação do agressor por meio de exames de DNA, mas só deve ser feita no contexto da emergência se o médico for habilitado para tal e na presença do material necessário. Caso contrário, essa tarefa deve ser realizada pela medicina legal na atividade de perícia médica, atentando-se para o prazo ideal da coleta em até 72 horas para obtenção de material viável.
RESPEITO:
A pessoa vítima de violência sexual tem o direito de registrar um boletim de
ocorrência. Se essa pessoa não desejar fazer esse registro, sua vontade deverá ser respeitada, sem prejuízo ao atendimento integral da sua saúde por parte da equipe. Assim, é dever do profissional de saúde que está atendendo essa pessoa informar e orientar sobre o direito e a importância do boletim de ocorrência, mas sempre respeitando a autonomia do paciente.
É dever do médico responsável pelo atendimento a notificação ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em até 24 horas. No caso de crianças e adolescentes, o atendimento apresenta peculiaridades e protocolos próprios.
PREVENÇÃO:
A lógica por traz das profilaxias no cuidado da vítima de violência sexual é otimizar
todas as medicações que são possíveis de serem feitas no próprio momento do atendimento. Profilaxia de gravidez: levonorgestrel 1,5mg via oral dose única em até 5 dias do ato
(idealmente até 72h).
Profilaxias de infecções virais:
● HIV: a profilaxia deve ser iniciada em até 72 horas do ato com o esquema
Lamivudina 300mg + Tenofovir 300mg + Dolutegravir 50mg, via oral, por 28 dias
(PEP).
● Hepatite B: se esquema vacinal completo, não há necessidade de medicação. Se
esquema vacinal incompleto, deve-se completar o esquema e aplicar a imunoglobulina Humana Anti-hepatite B até 14 dias. Se esquema vacinal desconhecido ou não realizado, deve-se aplicar a primeira dose da vacina e a imunoglobulina até 14 dias do ato.
Profilaxias de infecções não virais:
● Infecções por Clamídia e cancro mole: azitromicina 500mg, 2 comprimidos, via oral,
dose única (totalizando 1g).
● Sífilis: penicilina G Benzatina 1,2 milhões UI, intramuscular, em cada glúteo, dose
única (totalizando 2,4 milhões UI).
● Gonorreia: Ceftriaxona 500mg, 1 ampola, intramuscular, dose única.
● Tricomoníase: metronidazol 500mg, 4 comprimidos, via oral, dose única (totalizando
2g).
O atendimento da vítima de violência sexual deve ser eficiente e gentil. Existem unidades de saúde especializadas no atendimento de pessoas em situação de violência e essas podem e devem ser recorridas. Ainda assim, tendo em mente que muitas vezes a vítima tem o primeiro atendimento no serviço de emergência, esse primeiro cuidado deve ser realizado de forma integral por uma equipe interdisciplinar habilitada e capaz de exercer o cuidado com acolhimento, respeito e prevenção.
Referências:
1. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Norma Técnica. Atenção Humanizada Às Pessoas Em Situação de Violência Sexual Com Registro de Informações e Coleta de Vestígios. 1a ed. Brasília: MS; 2015.
2. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. 3a ed. Brasília: MS; 2012.
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