ARTE E SAÚDE: YAYOI KUSAMA
- Jornal A Sístole
- 29 de set. de 2020
- 4 min de leitura

Por: Rachel Boechat
Saúde Mental é um tema que tem estado em evidência ultimamente. Um dos motivos claros para isso é o isolamento social, necessário nesse momento de pandemia para a prevenção da disseminação do Coronavírus. Outra razão para essa tendência é a alta prevalência que transtornos como ansiedade e depressão têm na população em geral. Sabendo da necessidade de discutir esse tema e, de meios pelos quais esses sintomas podem ter vazão e assim auxiliar no tratamento, nos deparamos com a arte. Qual seria a relação entre arte e saúde mental? Quais são os efeitos da arte sobre esses transtornos?
Os artistas sempre utilizaram muito desse potencial que a mente pode oferecer para transformar e ressignificar todos esses sentimentos e sensações em produções artísticas. Vinicius de Moraes mostra essa relação entre mente humana, sentimentos, sensações e os artistas em si no poema “Eu não existo sem você”:
"Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer
Pois todos os caminhos me encaminham pra você
Assim como o oceano só é belo com o luar
Assim como a canção só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem só acontece se chover
Assim como o poeta só é grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor não é viver
Não há você sem mim, eu não existo sem você."
Assim, considerando essas questões acerca da saúde mental, o Setembro Amarelo e o potencial transformador da arte, a pintora escolhida para o Arte & Saúde do mês foi a japonesa Yayoi Kusama!
Kusama nasceu em Matsumoto, no Japão em 1929. Desde criança tinha obsessão pelos polka dots, que são as “bolinhas” em suas obras, e aos 10 anos já desenhava esse tipo de padrão. Ainda na infância, Kusama foi diagnosticada com esquizofrenia e já nessa época tinha o sonho de trabalhar com essa habilidade artística. Entretanto, sua família conservadora não estimulava seu sonho de ser artista plástica. Kusama chegou a realizar um curso de desenho no Japão por menos de 1 ano, mas parece que a artista não se sentia compreendida, chegou a queimar suas obras produzidas nesse período. Por isso, mudou-se para Nova York em 1958, onde foi acolhida pela artista Georgia O’Keeffe. Em carta à pintora que tanto admirava, Yayoi confessou:
“Estou apenas no primeiro passo de uma longa e difícil vida para me tornar uma pintora. Você gentilmente me mostraria o caminho?”
Por isso, após sua chegada nos Estados Unidos, Yayoi já iniciou sua vida profissional produzindo muitas obras nos anos 60 e ficou conhecida a partir de sua primeira exposição chamada “Infinity” em que a repetição obsessiva dos pontinhos permitiam uma interpretação de rede infinita. Para isso, além da repetição evidente dos polka dots, a artista também não se limitava as margens dos quadros. Além disso, realizou intervenções artísticas com influência de acontecimentos sociais da época. A arte performática de Kusama explorou ideias anti-guerra, antiestabelecimento e de amor livre. Esses acontecimentos frequentemente envolviam nudez pública, com a intenção declarada de desmontar fronteiras de identidade, sexualidade e corpo.
Suas obras apresentam de forma geral elementos repetitivos, são eles: as bolinhas, estruturas geométricas ou representações fálicas. Nas instalações de Yayoi Kusama, há espelhos, iluminação com LED, projeções e outros elementos atípicos buscando uma experiência interativa além de observacional. Em relação à sua obsessão e algumas alucinações Yayoi relata uma experiência:
“Um dia eu estava olhando para os padrões de flores vermelhas da toalha de mesa em uma mesa e, quando olhei para cima, vi o mesmo padrão cobrindo o teto, as janelas e as paredes e, finalmente, por toda a sala, corpo e universo. Senti como se tivesse começado a me autodestruir, a girar na infinidade do tempo sem fim e na absoluta capacidade do espaço, até ser reduzida ao nada “.
E sobre as suas obras, a artista afirma:
“Minha arte é uma expressão da minha vida, sobretudo da minha doença mental, originária das alucinações que eu posso ver. Traduzo as alucinações e imagens obsessivas que me atormentam em esculturas e pinturas. Todos os meus trabalhos em pastel são os produtos da neurose obsessiva e, portanto, intrinsecamente ligados à minha doença. Eu crio peças, mesmo quando eu não vejo alucinações, no entanto”. Com o tempo, passou a preencher pisos, paredes, telas, objetos e até pessoas com seus pontos.
Em 1975, Kusama decidiu retornar ao Japão e morar voluntariamente em uma clínica psiquiátrica que, além de estar de acordo com as suas exigências pessoais quanto ao cuidado, também estimulava a arteterapia para a promoção de saúde. Por isso, construiu seu ateliê próximo ao hospital para que pudesse diariamente trabalhar com seus pontinhos.
A arte de Yayoi Kusama é mundialmente conhecida e é uma das artistas contemporâneas mais admiradas, ela está com 91 anos e ainda trabalha diariamente. Seu trabalho já foi exposto em todo o mundo e também já realizou parcerias com grandes marcas da moda como a Louis Vuitton. Seus distúrbios da mente foram totalmente ressignificados e transformados em instalações, obras e intervenções artísticas que com certeza atingiram de forma inesquecível a vida de milhares de pessoas.
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