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Abuso e dependência química entre os profissionais da saúde

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 5 de jan. de 2023
  • 4 min de leitura


por Cibele Loiola e Laura Rapeli


Os Transtornos por Uso de Substâncias (TUS) caracterizam uma classe de doenças associadas ao abuso e à dependência química, sendo consideradas endêmicas nas mais diversas sociedades. Nesse sentido, tais transtornos são considerados um problema de saúde pública, e o tema do vício vem sendo amplamente debatido. As situações de dependência e uso abusivo de substâncias podem afetar, portanto, qualquer indivíduo. No entanto, percebe-se, historicamente, uma relação íntima entre esse quadro clínico e uma situação ocupacional muito específica: a do profissional da saúde.


Na matéria “O drama dos opioides”, publicada pela Revista Piauí em outubro de 2022, essa questão é abordada, inclusive, por meio de relatos pessoais dos profissionais da área. Alguns dos relatos apontam para as possíveis raízes do problema: um dos profissionais afirmou ter feito uso de opioides pela primeira vez devido à necessidade de ficar em pé durante uma cirurgia de muitas horas, mesmo sentindo muita dor, decorrente de uma lesão prévia. Outro relatou que começou a usar para debelar o cansaço físico e mental da rotina de trabalho e, depois disso, passou a pegar todos os plantões possíveis, apenas para ter acesso à droga no hospital. Um terceiro profissional afirmou à revista: “Eu perdi a conta de quantos colegas de profissão vi morrerem em razão do abuso de opioides." Percebendo esse padrão, é natural que se questione: o ambiente no qual estão inseridos os profissionais da saúde poderia atuar como fator de risco para o vício em substâncias?


Diante disso, muitos são os estudos que debatem tal problemática e apontam possíveis determinantes de vulnerabilidade que são intrínsecos à rotina do profissional da saúde.


De modo geral, o ambiente é considerado uma das variáveis que compõem o“tripé da dependência química” - um esquema proposto pela Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) para analisar os desencadeadores do desenvolvimento de TUS. Assim, a disponibilidade e o fácil acesso às substâncias nos ambientes hospitalares, farmacêuticos e/ou clínicos é extremamente relevante para se pensar acerca da problemática que envolve esses profissionais da saúde, uma vez que atuam em ambientes que facilitam o acesso às drogas.


Além disso, o estresse crônico a que esses profissionais estão submetidos também é um fator disparador para o desenvolvimento do uso inconsequente dessas substâncias. De acordo com os estudos dedicados ao tema, esse estresse estava associado, sobretudo, a jornadas extenuantes de trabalho, condições de trabalho inadequadas ou insuficientes, sobrecarga devido à ineficiência de gestão e, também, exaustão por atuação em múltiplos empregos simultaneamente.


Outra questão preocupante é a falta de discussão acerca do assunto. Pouco se debate sobre as formas de gerar melhor bem-estar aos profissionais de saúde e sobre os perigos do uso indevido, recreativo e exagerado de substâncias potencialmente nocivas, como os opioides. Enquanto a dependência química faz vítimas diariamente, o assunto é omitido nos principais pontos de acesso às substâncias pelas vítimas, como os locais hospitalares e farmacêuticos. Dessa forma, a falta de problematização dos TUS entre os profissionais de saúde dificulta a promoção de medidas de conscientização e de combate, além de ocultar a real dimensão do problema.


Ademais, alguns fatores de risco podem contribuir para o desenvolvimento da dependência, como histórico de abuso de álcool e drogas ilícitas e transtornos psiquiátricos, a exemplo dos transtornos de personalidade e humor. Inclusive, esses agentes podem interferir na droga escolhida pelo profissional, que pode buscar combater sintomas específicos advindos de cada condição, como cansaço, ansiedade, estresse e depressão.


Assim como toda dependência química, o processo de reconhecimento, aceitação e tratamento é dispendioso. Além de enfrentar a abstinência, o paciente tem que lidar com o medo de ser afastado do trabalho durante o tratamento, o preconceito no ambiente de trabalho, o receio de que os pacientes não confiem mais nele e diversos outros problemas. Atualmente, o principal tratamento é baseado em abordagens psicossociais, às vezes associado à farmacoterapia.


Portanto, o abuso do uso de substâncias entre os profissionais de saúde é uma questão que precisa ser debatida e divulgada, com o intuito de informar e alertar a população acerca dessa condição, infelizmente recorrente entre esse grupo ocupacional. Além disso, é de extrema importância que ambientes hospitalares ofereçam condições dignas para a equipe de saúde, a fim de não gerar ainda mais vítimas da dependência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

● CAJAZEIRO, Júnia Maria Drumond et al. Toxicologia e profissionais de saúde: uso abusivo e dependência. Rev Med Minas Gerais, v. 22, n. 2, p. 153-157, 2012.

● FERNANDES, Márcia Astrês et al. Uso de substâncias psicoativas por profissionais de saúde: Revisão Integrativa. SMAD Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas (Edição em Português), v. 13, n. 4, p. 221-231, 2017.

● SANTANA, Fernanda Lopes et al. Uso de medicamentos psicoativos entre profissionais de saúde. Revista de Enfermagem UFPE on line, v. 11, n. 7, p. 2881-2887, 2017.

● DE SOUSA, Gabriel Soares et al. O uso abusivo de drogas entre anestesistas no Brasil: uma pesquisa nacional. 2021.

● MACHADO, Maria Luíza. A dependência química entre os profissionais da saúde: uma revisão integrativa. 2018.

● MACHADO, Maria Luiza; DA SILVA, Francine Morais; ALGERI, Simone. A dependência química entre os profissionais da saúde: uma revisão integrativa. Dependência química, Revista Nursing, p. 7352-7359, 21 jan. 2022.

● CAJAZEIRO, Júnia Maria Drumond et al. Toxicologia e profissionais de saúde: uso abusivo e dependência. Rev Med Minas Gerais, v. 22, n. 2, p. 153-157, 2012.

● LEAL, Rafhael. Uso indevido e dependência de opioides: da prevenção ao tratamento. Revista de Medicina de família e Saúde mental, v. 2, n. 1, 2020.


 
 
 

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