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A POBREZA COMO FATOR DE RISCO PARA A SAÚDE: POR QUE FALAMOS TÃO POUCO SOBRE ISSO?

  • Foto do escritor: Jornal A Sístole
    Jornal A Sístole
  • 13 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

Por Ramila C. L. Tostes


É necessária a observação de que a maioria de nós já se deparou com campanhas de saúde pública e/ou privada voltadas para a população hipertensa, obesa, que possui alta ingestão de álcool ou que não pratica atividade física. Claro, todas essas campanhas são imensamente válidas, desde que centradas em objetivos amplos de cuidado e não apenas comercial. Mas, os riscos de vida passíveis de modificação não terminam aqui. Quantas vezes você viu a pobreza sendo colocada como pauta de saúde? Quantas campanhas de conscientização você já viu sobre pessoas pobres terem maior chance de morrer? Por que as autoridades públicas não se voltam para esse problema?


A pobreza também é um fator de risco para a saúde. Um estudo publicado no Jornal The Lancet, no ano de 2017, traz à realidade índices, no mínimo, curiosos:


O baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em mais de 2 anos (2,1).

O alto consumo de álcool reduz a expectativa de vida em 0,5 ano.

A obesidade reduz a expectativa de vida em 0,7 ano.

A hipertensão reduz a expectativa de vida em 1,6 ano.

O sedentarismo reduz a expectativa de vida em 2,4 anos.


Chama a atenção, nesses dados, a soberania do baixo nível socioeconômico perante condições tão valorizadas pelos sistemas de mídia/comunicação, tais como a alta ingesta alcoólica, a obesidade e a hipertensão, além da proximidade com os números do sedentarismo. Há, do ponto de vista prático, uma diferença entre esses fatores que, infelizmente, pode justificar você não ter visto tantas - ou mesmo nenhuma - campanhas que clamem pela diminuição da pobreza. As campanhas, geralmente vistas, tratam dos fatores de risco modificáveis (hábitos e condições de vida) pelas próprias pessoas, livrando as autoridades públicas da responsabilidade sobre esses danos. Como a pobreza é um fator de risco à vida que carece de ação diretamente pública e governamental, entidades representativas diminuem esse fato ou o mascaram a ponto de nem mesmo podermos questionar a sua existência.


Infelizmente, a indústria farmacêutica ainda não desenvolveu nada capaz de reduzir os danos de ser pobre no nosso planeta. Talvez, essa vulnerabilidade não interesse tanto quanto aquelas para as quais exista um “remédio” comercializável e pessoas capazes de propagá-lo. Para além de ideologia, ter sua expectativa de vida reduzida pela pobreza é comprovadamente científico. O estudo supracitado contou com o apoio da Fundação Nacional de Ciência da Suíça, Universidade de Columbia, Escola de Saúde Pública de Harvard, entre outras instituições reconhecidamente respeitáveis.


O estudo em questão foi realizado após os Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2011, assinarem a iniciativa 25×25, que consiste num plano que visa reduzir a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis em 25% até o ano de 2025. No entanto, como os fatores socioeconômicos não estavam incluídos no plano, o estudo fez um comparativo entre a contribuição da condição socioeconômica para a mortalidade e anos de vida perdidos com a dos fatores de risco adotados no referido plano (a saber: ingestão elevada de álcool, sedentarismo, tabagismo, hipertensão, diabetes e obesidade).


Levando em consideração dados de 7 países desenvolvidos, construiu-se um estudo multicoorte e metanálise. Assim, foram coletados dados em nível individual de estudos de coorte prospectivos independentes com informações sobre status socioeconômico, indexado por posição ocupacional de cerca de 1,7 milhão de pessoas. Visto que se trata de um trabalho em países ricos, a perspectiva é de que, ao aplicar tais índices na realidade de países subdesenvolvidos, os danos possam ser ainda maiores.


Inevitavelmente, dada a atual situação do Brasil, esse texto precisa trazer à tona um levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que demonstra a vulnerabilidade financeira pela qual passa boa parte da população brasileira neste momento. Os índices revelam que o número de pessoas pobres no país subiu de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021. Em apenas 6 meses, o número de brasileiros que apresentam um significativo fator de risco à vida - modificável - praticamente triplicou.


É fato, portanto, que a pobreza encurta a vida, sendo um forte indicador de morbidade e mortalidade prematura, quase tanto quanto o sedentarismo e mais do que a obesidade, a hipertensão e a ingesta excessiva de álcool. Entretanto, esse fator social não recebe das autoridades a atenção merecida, tal qual acontece com os outros, trazendo questionamentos como: a quem interessa o adoecimento dos cidadãos? Por que alguns fatores de risco se tornam mais relevantes do que outros? Até quando o silêncio acerca da desigualdade social mortífera será uma máxima dentro do Estado brasileiro e das entidades globais?


Sendo assim, conclui-se que a disparidade econômica entre os indivíduos deve constar como fator de risco modificável em políticas públicas e privadas de promoção, prevenção e cuidado em saúde. Para além desse cenário, o desenvolvimento infanto-juvenil, mecanismos de redução da pobreza e o pleno acesso à educação deveriam se estabelecer como planos soberanos dentro de todo e qualquer Estado.


Referências Bibliográficas:

STRINGHINI, Silvia et al. Socioeconomic status and the 25 × 25 risk factors as determinants of premature mortality : a multicohort study and meta-analysis of 1 · 7 million men and women. The Lancet, [s. l.], v. 389, p. 1229–1237, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)32380-7

 
 
 

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