14 anos da instituição do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
- Jornal A Sístole
- 19 de jan. de 2022
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Por Orlando Dias Canichio
Instituído pela Lei Federal no 11.635, de 27 de dezembro de 2007, em alusão à morte da Ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santo, conhecida como Mãe Gilda e fundadora do terreiro de candomblé Ilê Asé Abassá, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é, essencialmente, uma data de reflexão e conscientização da sociedade perante uma questão que ainda se encontra enraizada no imaginário popular.
Não à toa, em 1896, um dos grandes símbolos da materialização do preconceito se deu na publicação do livro “O animismo fetichista dos negros baianos”, pelo então médico baiano Nina Rodrigues. Nele, Nina trata a religiosidade africana como uma patologia psíquica, dizendo que seus cultos são “crenças fetichistas” e em busca de algum tipo de cura. Seu legado eugenista se estendeu, inclusive, para autoridades públicas, com destaque ao delegado Pedro Gordilho, o qual perseguiu adeptos do candomblé durante anos, por se tratarem de “festas de feiticeiros”.
Apenas em 1974, os cultos de religiões de matrizes africanas foram legalizados na Bahia, mostrando que a perseguição religiosa se estendeu por séculos. Apesar de não acontecer mais por ações diretas do Estado, se ramificou pela sociedade, seja pelo preconceito com vestimentas típicas de certas crenças, pela aversão aos cultos religiosos afro-brasileiros, ou através da deturpação de termos e sua ressemantização – como “descarrego” e “encosto”, dentre outras expressões.
Esse preconceito explícito é encontrado também no discurso de líderes religiosos, os quais utilizam de seu poder de fala para manipular a opinião, em uma espécie de “teologia da batalha espiritual”. Esta, por sua vez, passou a se fortalecer com a expansão evangélica e das neopentecostais pelo país. Um dos exemplos mais fortes é o do bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o qual “declarou guerra aos orixás, caboclos e guias", elementos de religiões de matriz africana.
Além disso, nas comunidades cariocas, popularizaram-se os “traficantes de Cristo”, comandantes do tráfico que passaram a perseguir religiosos de matriz negra, sob a forma de ameaças de morte, levando as pessoas a destruírem seus próprios terreiros e santuários. Essa prática tornou-se mais frequente a partir da gestão do prefeito Marcelo Crivella, ex-prefeito e bispo da capital fluminense. Inclusive, muitas dessas práticas foram filmadas pelos próprios traficantes, como foi o caso de uma ialorixá em Nova Iguaçu, obrigada a destruir seu próprio santuário.
Assim, desde a patologização da fé até a violência por si só em seus diferentes aspectos físicos e psicológicos, a intolerância religiosa continua a se perpetuar na sociedade. Mesmo com a sua criminalização, pela Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989, na prática, ainda há milhares de casos que sequer são noticiados ou denunciados. Ademais, séculos e séculos de preconceito não são apagados e/ou esquecidos do dia para a noite, há um longo processo sócio-educacional que pode durar décadas (ou até séculos) para mudar aspectos culturais de um povo ou sociedade.
REFERÊNCIAS
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CARMO DE SOUZA, Deise Gabriela. Intolerância religiosa: a ferida aberta do cientificismo. UNITAS - Revista Eletrônica de Teologia e Ciências das Religiões, ano 2018, v. 6, n. 1, 1 dez. 2021. DOI http://dx.doi.org/10.35521/unitas.v6i1.704. Disponível em: http://revista.faculdadeunida.com.br/index.php/unitas/article/view/704. Acesso em: 14 dez. 2021.
Lui, Janayna de Alencar. Os rumos da intolerância religiosa no Brasil. Religião & Sociedade [online]. 2008, v. 28, n. 1 [Acessado 14 Dezembro 2021] , pp. 211-214. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-85872008000100011>. Epub 07 Ago 2008. ISSN 1984-0438. https://doi.org/10.1590/S0100-85872008000100011.
21 de janeiro- Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Secretaria da Justiça e Cidadania. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/index.php/21-de-janeiro-dia-nacional-de-combate-a-intolerancia-relig iosa/. Acesso em: 14 dez. 2021.
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